Leonardo Sakamoto
''Quando se
combina as decisões do impeachment com as da Lava Jato, verificamos que o
Supremo teve uma grande influência no curso do impeachment'', afirma Eloisa
Machado de Almeida, professora da FGV Direito SP, doutora em Direito pela USP e
coordenadora do Centro de Pesquisa Supremo em Pauta.
Eloísa atua no acompanhamento das
decisões do Supremo Tribunal Federal e uma das pesquisas que coordena tem
analisado as decisões do STF junto às da operação Lava Jato. De acordo com ela,
o tribunal jogou com o tempo, deixando alguns atores livres (mesmo em condições
para prisão preventiva) e bloqueou outros, influenciando no processo de
cassação de Dilma Rousseff. Ela separa três momentos decisivos listados que
podem ser lidos no post.
Ela separa três momentos
decisivos. Primeiro, a prisão em flagrante do então senador Delcídio do Amaral
(PT), por decisão do ministro Teori Zavascki a pedido do procurador geral da
República Rodrigo Janot, em 25 novembro de 2015. De acordo com ela, isso deu
força para que o processo de impeachment fosse aceito por Eduardo Cunha, então
presidente da Câmara, no dia 2 de dezembro do mesmo ano.
Segundo, houve a quebra de sigilo
e divulgação da conversa telefônica entre Dilma e Lula sobre a sua nomeação
para ministro da Casa Civil, em 16 de março de 2016, quando este ainda não era réu
pela Lava Jato. Isso teria o intuito de garantir foro privilegiado a ele. Na
sequência, o ministro Gilmar Mendes, impediu que Lula tomasse posse. De acordo
com Eloia, esse episódio deu um fôlego extraordinário ao processo na Câmara dos
Deputados, que autorizou a abertura do impeachment no mês seguinte.
Por último, somente após o
impeachment ser encaminhado ao Senado, Eduardo Cunha foi afastado do mandato de
deputado federal e, consequentemente, da presidência da Câmara por uma decisão
do ministro Teori Zavascki.
Segundo, a pesquisadora, no curso
do impeachment, o STF reproduziu o rito de 1992, garantindo um curso morno do
processo. Mas essas decisões extraordinárias, relacionadas ao desdobramentos da
Lava Jato, tiveram impacto no impeachment e foram responsáveis pelo seu
desfecho.
A entrevista com a professora
Eloísa Machado também abordou outros temas, incluindo o protagonismo do Supremo
Tribunal Federal neste momento do país, as consequências de um Poder Judiciário
mais forte que os outros dois poderes e a noção de Justiça no Brasil:
A Suprema Corte é um tribunal progressista ou conservador?
De acordo com Eloisa Machado, o
Supremo Tribunal Federal nunca foi uma corte progressista. O que aconteceu é
que ele acabou levando carona no mérito de outros atores, seja no Poder
Executivo, no Legislativo ou do próprio Judiciário, por ser dele a última
palavra sobre assuntos como a legalização do casamento homoafetivo ou o direito
ao aborto de fetos anencéfalos. Segundo Eloisa, uma prova de que o STF não é
progressista é exatamente a discussão sobre o direito ao aborto em qualquer
circunstância, que está bem aquém de outros países que já garantiram esse
direito às mulheres.
Segundo ela, esse tribunal, que
já não era progressista, agora está adotando posturas mais conservadoras, como
a derrubada da inviolabilidade de domicílio, o direito de não ser preso antes
do trânsito em julgado de um crime e o direito de greve de servidores públicos.
O que acontece quando juízes se confundem com políticos?
Se o Supremo Tribunal Federal
toma o lugar de um administrador público que foi eleito (sic) para tomar uma
decisão, você tem um grande problema. De acordo com Eloisa Machado, professora
da FGV, o STF deve decidir de acordo com o que está escrito na Constituição
Federal. A razão jurídica deve prevalecer sobre a razão política, caso
contrário quem sai perdendo é a população brasileira.
Por exemplo, quando o STF for
decidir sobre a proposta de emenda constitucional 55/2016 (antiga PEC 241), que
prevê a imposição de um limite no crescimento dos gastos públicos e deve afetar
áreas como educação e saúde, deveria refletir sobre os direitos previstos em
lei e não sobre as dificuldades enfrentadas pelo governo.
A Suprema Corte esvaziou o direito à greve
A decisão do Supremo Tribunal
Federal de limitar o direito à grave dos servidores públicos é absurda e vai
contra a Constituição Federal, segundo a professora e pesquisadora Eloisa
Machado. Na prática, a pessoa terá que escolher entre alimentar sua família ou
entrar em greve – o que, pela Constituição, é um direito. E quando os
servidores forem protestar contra os impactos dos cortes em serviços públicos
causados pela aplicação da PEC 55/2016 (antiga PEC 241) terão seus salários
cortados pelo Estado.
O que acontece com um país em que o Judiciário se torna o poder mais
forte
Delegar a resolução dos problemas
da vida nacional aos magistrados e confiar que eles façam isso, não é uma
solução. ''O Judiciário é menos sujeito aos controles democráticos. Você não
vota e eles ficam no cargo para sempre para aplicar a leis sem nenhum tipo de
pressão'', afirma Eloísa Machado, professora de direito da FGV e especialista
sobre o Supremo Tribunal Federal. ''Mas não é ali que se faz política. Política
se faz com debates e propostas.'' Segundo ela, vivemos um momento em que
candidaturas com discurso apolítico ganham as eleições para o Executivo e no
qual o Legislativo está em descrédito. Delegar a resolução dos problemas da
vida nacional aos magistrados e confiar que eles façam isso, não é uma solução.
Ele receia que, com o aumento do descrédito das instituições, manifestações
como as de junho de 2013 podem voltar.
A prisão de Eduardo Cunha foi juridicamente correta?
''A prisão de Eduardo Cunha não
foi juridicamente correta. Ele foi mais uma vítima do uso excessivo da prisão
preventiva'', afirma Eloisa Machado, processo de Direito da FGV. ''Se falamos
que isso está errado, quando envolve as pessoas que a gente gosta, temos falar
das que a gente desgosta.'' Segundo ela, isso mostra como o direito, como
mecanismo de solucionar esse tipo de conflito, está um pouco corroído.
''A gente gosta quando se quebra
uma regra contra uma pessoa da qual temos algum tipo de ódio, a gente gosta de
ver criança apanhando em desocupação de escola porque somos contra a ocupação,
você acha legal a polícia batendo em manifestante porque você acha que quem faz
manifestação não trabalha. Bem, vai chegar uma hora que isso vai acontecer com
você. E você está desconstruindo e deslegitimando a própria ideia de direito, o
que me preocupa muito'', explica Eloisa.
De acordo com ela, a Lava Jato
não é uma exceção num Judiciário que prende muito, e que prende muito
preventivamente. ''O problema é que você prende a pessoa e substitui a
investigação por isso. Então, quando se investiga mal, lá na frente você não
consegue uma condenação. Então, você garante uma 'pena' prendendo
preventivamente essas pessoas.'' Segundo ela, isso se resolveria com boa
investigação e boa coleta de provas.
A Justiça é seletiva: ela escolhe pobres, negros e jovens para punir
Muita gente defende a decisão do
Supremo Tribunal Federal em confirmar que condenados em segunda instância devem
começar a cumprir pena mesmo sem uma decisão transitada em julgado, afirmando
que pessoas pobres não usam tribunais superiores e, portanto, só os mais ricos
serão prejudicados. Mas elas estão enganadas. De acordo com a professora de
Direito da FGV e especialista no Supremo Tribunal Federal, Eloísa Machado, as
Defensorias Públicas, que atendem cidadãos que não podem bancar um advogado,
atuam sim em tribunais superiores, garantindo habeas corpus para os mais pobres
que ainda estão recorrendo de decisões.Segundo ela, o sistema de Justiça no
Brasil é seletivo. Escolhe pobres, negros e homens para punir.
''Nós temos um sistema prisional
com 40% dos presos provisórios, ou seja, nenhuma sentença. Às vezes, ficam por
mais tempo do que sua futura sentença criminal poderia puni-los.'' Segundo ela,
a punição, já em segunda instância, não vai melhorar esse sistema, mas apenas
ajudar a desconstruir a garantia de ninguém seja preso antes de esgotado todos
os recursos.
Magistrados ganharem salários acima do teto fere credibilidade da
Justiça
O juízes ganharem acima do teto
de remuneração constitucional é um problema para administração pública como um
todo. O Supremo Tribunal Federal poderia ter limitado isso. Mas o que fez foi
garantir a extensão do auxílio-moradia. ''Temos um problema de controle de
gastos e de gestão do Judiciário que será muito difícil de ser superado'',
afirma Eloísa Machado, professora de Direito da FGV e pesquisadora sobre STF.
''Temos uma crise de legitimidade
sistêmica em nossas instituições. Nós não confiamos no nosso Legislativo, e não
é à toa, não confiamos no Executivo, e também não é à toa, e meu grande receio
é que se perca a confiança no Judiciário'', afirma.
Mulheres trans no banheiro feminino e a transparência do STF
É importante que haja
transparência sobre os debates que precedem às decisões do Supremo, mesmo que
haja um efeito colateral de alguns ministros ou juízes terem um contato maior
com a política. De acordo com Eloísa Machado, professora de Direito da FGV e
pesquisadora sobre o Supremo Tribunal Federal, se as audiências não fossem
televisionadas, não seria possível, por exemplo, verificar preconceitos ou
opiniões. Como as de ministros do Supremo que, em um debate sobre o direito de
mulheres transexuais de usarem o banheiro feminino, afirmaram que não se
sentiam confortáveis de julgar o caso porque imaginavam a situação de uma filha
ou uma esposa ao compartilharem o banheiro com uma mulher trans. Segundo ela,
se não houvesse essa transparência, não seria possível ter esse termômetro.
É comum um ministro do STF ser politicamente ativo?
É evidente que ministros que usem
a mídia com tanta naturalidade e emitam opiniões políticas não são benéficos
para a idéia de um tribunal imparcial, afirma Eloísa Machado, professora de
Direito na FGV-SP e pesquisadora sobre o STF. Mas isso é antigo na corte.
Fala-se do ministro Gilmar Mendes, mas outros já fizeram isso no passado e não
é novidade. ''É uma pena que o tribunal se coloque tão próximo da política'',
afirma.
Por que muita gente joga pedra na Constituição de 1988?
A Constituição de 1988 garante
tanto a liberdade econômica quando um Estado social. ''Hoje, vemos um abandono
desse lado social'', afirma Eloísa Machado, professora de Direito na FGV. ''A
Constituição prevê um Estado social, grande, que ofereça saúde para todos, que
vai garantir educação de qualidade, que vai demarcar terra, que vai fazer
reforma agrária, que vai distribuir renda. Tudo isso está na Constituição.
Neste momento, vemos o desprezo por esse lado social.''
Nenhum comentário:
Postar um comentário