Líder venezuelano morreu aos 58 anos após luta contra
o câncer. Ele ficou 14 anos no poder
Soldado. Bolivariano. Socialista e
antiimperialista. Assim se autodefinia o presidente da Venezuela Hugo Chávez.
Considerado um dos mais polêmicos e importantes líderes da América Latina, um
câncer marcou sua batalha final, encerrando os 14 anos de sua permanência no
poder. Chávez é visto como o homem que transformou a história social e política
da Venezuela.
Partidária do presidente venezuelano, Hugo Chávez, segura um jornal em ato de apoio do lado de fora do Palácio Miraflores
Para os setores populares foi uma
espécie de "justiceiro" que chegou à Presidência para redistribuir a
renda do petróleo, antes privilégio de uma minoria. Para seus opositores foi o
político que dividiu o país e atentou contra a propriedade privada, a liberdade
de imprensa e a democracia.
O projeto maior de Chávez, a chamada
"revolução bolivariana", moveu o tabuleiro da política venezuelana à
esquerda. Polêmico, inspirado no prócer independentista Símon Bolívar,
criticava em seus discursos as causas que teriam levado o país - quinto maior exportador
mundial de petróleo - a manter a maioria da população na pobreza.
Com uma popularidade incomparável na
história do país, o líder venezuelano criou um vínculo emocional com seus
seguidores que foi além da política. Por alguns é visto como "pai",
"irmão", "amigo" ou "filho".
Gritos de "Chávez, eu te amo"
costumavam acompanhar comícios e atos públicos liderados pelo presidente. Para
Alberto Barrera, autor da biografia Chávez sem uniforme, o presidente
estabeleceu "um carisma religioso e afetivo com parte da população".
Ele acrescenta que Chávez podia ser comparado a um popstar. "Ele quis ser
jogador de beisebol, mas não deu certo. Gostava de cantar, mas desafinava.
Tentou um golpe de Estado e fracassou, e por fim, chegou à Presidência e fez
uma revolução", disse um simpatizante.
História
Proveniente de uma família humilde de
origem camponesa e de professores primários, Chávez nasceu em 1954, no povoado
de Sabaneta, em Barinas no noroeste venezuelano. Cresceu em um casebre, onde
foi educado pela avó materna.
No Exército, fundou o Movimento
Bolivariano Revolucionário 200, que se tornou o alicerce de sua carreira
política. Em fevereiro de 1992, o então tenente-coronel Chávez liderou um golpe
de Estado contra o governo de Carlos Andrés Perez.
Fracassada a intentona, Chávez foi
preso. Em 1999 foi eleito presidente e promoveu uma Assembleia Constituinte que
criou as bases de seu projeto político. Ele estabeleceu uma política
nacionalista, atacou latifúndios e promoveu uma onda de nacionalizações em
setores estratégicos - petróleo, siderurgia, telecomunicações, eletricidade e
parte do setor alimentar.
Essas medidas teriam assustado
investimentos estrangeiros e empresários locais que deixaram de apostar no
desenvolvimento industrial do país por temor ao "comunismo".
Ao promover mudanças na Constituição,
Chávez foi acusado de demagogia e oportunismo. Para seus opositores, as
alterações eram parte de um plano para mantê-lo eternamente no poder. Chávez
foi chamado de populista e autocrático, acusado de ameaçar a liberdade de
imprensa e de utilizar a máquina estatal para perseguir aqueles que discordavam
de sua "revolução".
Pobreza e economia
A estrutura econômica herdada de
governos anteriores na qual a atividade produtiva se resumia praticamente à
exploração de petróleo, se manteve intacta na era Chávez. Não houve
diversificação do campo produtivo e o principal motor da economia continuou sendo
o petróleo.
"Chávez surgiu em uma Venezuela
comandada por mais de 50 anos por uma elite política e empresarial acomodada
pela bonança petroleira." A opinião é do historiador Miguel Tinker Salas,
professor de História Latino-americana da Pomona College, da Califórnia.
"Chávez canalizou a crise, que de outra forma, poderia ter provocado um
enfrentamento social", afirmou à BBC Brasil.
A criação das missões (programas
sociais) de saúde e educação inaugurou em 2003 a cooperação com Cuba -
estabelecendo a assistência de médicos e educadores em troca de petróleo. Essa
aliança se tornou mais tarde o pilar de sustentação do governo e da
popularidade do presidente.
"Antes de Chávez, o único direito
que nós, os pobres, tínhamos, eram as balas (de repressão)", afirmou à BBC
Brasil a dona de casa Miriam Bolívar, enquanto aguardava notícias sobre a saúde
do presidente na Praça Bolívar, em Caracas, dias depois de sua última cirurgia.
Na era Chávez, a pobreza na Venezuela
caiu mais de 20%, de acordo com a Cepal (Comissão Econômica para América Latina
e Caribe), e o país passou a registrar a menor desigualdade entre ricos e
pobres entre nações latino-americanas, de acordo com relatório da ONU, com 0,41
no índice de Gini que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda
domiciliar per capita entre os indivíduos de um país, quanto mais próximo de
zero menor a desigualdade.
Apesar de se proclamar socialista,
Chávez não conseguiu eliminar uma das maiores mazelas econômicas que afetam
principalmente a população de renda mais baixa, a inflação. Com índices que
chegam a 30%, a Venezuela tem a maior inflação da América Latina. Seu governo
também falhou em não criar uma política econômica de longo prazo que fosse
capaz de evitar a recessão. Além disso, o presidente não conseguiu acabar com a
corrupção na administração pública nem reduzir os índices de criminalidade nas
ruas.
Amor e ódio
Chávez foi um líder polêmico e o sabia.
Na Venezuela polarizada entre chavistas e anti-chavistas, entre socialismo e
capitalismo, elementos raciais e de classe social também foram determinantes
para incrementar o "amor" e "ódio" em torno à sua
liderança. Seus opositores acreditam que a polarização criada é maléfica para o
país, pois apenas um setor da sociedade - os "vermelhos" - teria
espaço.
"Chávez atacou o velho sistema de
exclusão social que dominava a sociedade, mas em contrapartida desenvolveu um
novo sistema de exclusão política", afirmou Barrera.
A divisão entre os venezuelanos se
aprofundou durante a crise política de 2002-2003 que resultou do fracassado
golpe de Estado contra Chávez. A intensa disputa se arrastou até 2004, quando
Chávez saiu vitorioso nas urnas, depois de um referendo sobre seu mandato.
Em 2007, ele cancelou a concessão
pública do canal privado RCTV - acusado de apoiar o golpe - , desencadeando uma
onda de protestos. Chávez acusava os meios de comunicação privados de serem os
porta-vozes da oposição interna e do governo dos Estados Unidos. A saída do ar
da RCTV foi vista como um ataque à liberdade de imprensa.
A vitória no referendo em 2009, que lhe
permitiu reeleger-se sem limites de mandatos, foi outro auge polêmico - que
voltou a dividir a sociedade entre o "sim" e "não".
Ex-aliada do governo, a historiadora Margarita López Maya critica o centralismo
desenvolvido em torno da figura presidencial. "Em termos históricos, foi o
rei que tivemos na Venezuela. Foi como Luis 14."
Diplomacia
Amparado pelo incremento dos preços do
petróleo, Chávez fortaleceu a influência de sua diplomacia no continente.
"Ele deixa uma projeção internacional nunca alcançada por outro líder
venezuelano", disse à BBC Brasil o analista político Luis Vicente León, da
consultoria Datanalisis.
Os Estados Unidos viam com ressalvas a
influência de Chávez em outros países da América Latina. O presidente
venezuelano costumava dar opiniões sobre eleições em países vizinhos, apoiava
abertamente candidatos presidenciais e assinou multimilionários acordos de
cooperação.
Chávez criou novos mecanismos de
integração regional, como Petrocaribe e Alba (Alternativa Bolivariana para as
Américas), orientados na venda de petróleo a preços preferenciais, em troca do
pagamento em moeda, mercadorias ou serviços.
Crítico da política "imperialista",
Chávez desafiou a influência americana na América Latina, tornando-se, ao lado
de Fidel Castro, o principal inimigo dos Estados Unidos na região. Defensor de
um "mundo multipolar", se aproximou de figuras como o ex-líbio
Muammar Gaddafi e o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.
O estreitamento das relações entre
Caracas e Brasília teve como marco os dois mandatos do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Neste período, o fluxo comercial foi triplicado e a
aliança política consolidada, sobretudo para dirimir crises entre a Venezuela e
o governo do colombiano Álvaro Uribe.
Na Presidência, Chávez foi um grande
incentivador do chamado "eixo de integração" entre Brasília, Caracas
e Buenos Aires - no qual contou com o apoio do ex-presidente Lula, no Brasil, e
do casal Kirchner, na Argentina.
Em 2012, Chávez colheu parte dos frutos
desses apoios ao ver seu país dentro do bloco do Mercosul após uma manobra
diplomática do Brasil e da Argentina que neutralizou a oposição paraguaia a
essa integração.
Chávez-dependência
Os venezuelanos foram convocados às
urnas em 17 eleições durante os mandatos de Chávez. Ele saiu derrotado apenas
uma vez, quando pretendeu reformar 33 artigos da Constituição. Reeleito em
outubro de 2012, o câncer impediu que assumisse seu terceiro mandato.
Placas, murais e grafites espalhados
por todo o país evocam seu rosto e suas frases. Nas casas mais humildes, a
imagem do "comandante" divide o espaço com a foto das famílias nas
paredes. Em seu testamento político, Chávez preparou a população para o que
viria: sua quarta cirurgia poderia ser a batalha final contra o câncer.
Antes de enfrentá-la, apontou a Nicolás
Maduro, vice-presidente e chanceler, como seu substituto na liderança da
"revolução bolivariana". Desde então, uma antiga idéia defendida por
ele recobrou vida entre seus seguidores: "Eu sou um povo, todos somos
Chávez".
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