Um
ano atrás, ele estaria entre os primeiros no ranking dos mais poderosos do
País. Ex-bilionário, por pouco Eike não entra na lista
Muito provavelmente Eike Batista jamais consiga cumprir a autoprofecia de se
tornar o homem mais rico do mundo. Talvez nem sequer volte a ser o mais afortunado
entre os próprios patrícios. Em pouco mais de um ano, viu seu dinheiro
desmilinguir-se numa inacreditável espiral descendente, desabando de mais de
US$ 30 bilhões para apenas US$ 220 milhões. Deixou de ser o oitavo homem mais
rico do mundo para mergulhar numa crise sem fim, que o tirou do clube dos
bilionários.
Eike Batista: a fortuna do milionário tem encolhido com o resultado ruim dos papéis de suas empresas na bolsa
Está para nascer, no entanto, alguém que
tire de Eike Batista o epíteto de “O empresário mais pop do Brasil”. Do tempo
em que era convenientemente eclipsado pelo aposto “o marido de Luma” – diga-se
de passagem, quanto mais se escondia mais se revelava – até a fundação de uma
das mais impressionantes e feéricas sagas empresariais da história recente do
País, tanto para o bem quanto para o mal sua trajetória acabou se tornando um
artigo para as massas, consumido em crescentes doses de centimetragem e
caracteres no noticiário.
Não por acaso, há quem diga que o maior
produto de Eike Batista é o próprio Eike Batista. Esta é apenas uma entre as
tantas facetas de uma pedra rara, um personagem fora da curva, no momento
desafiado a provar o quanto é grande a distância entre a consolidação de um dos
maiores conglomerados logísticoindustriais do país e o protagonismo de um
estridente fracasso. Eike Batista
quebrou.
Foi no fim da década de 1970, muito antes
do frenético aparecimento das empresas “X” e da incrível e desnorteante sequência
de aberturas de capital nas Bolsas de Valores, que fizeram a fortuna de Eike e,
por ora, também o seu reverso. O irrequieto estudante de engenharia – e, àquela
altura, também um atrevido vendedor de apólices de seguros – decidiu largar a
Universidade de Aachen, na Alemanha, para embrenhar-se no Brasil profundo em
busca de ouro. Eram tempos de Serra Pelada, tempos de Sebastião Curió,
autoproclamado dono da então maior reserva aurífera a céu aberto do mundo. Na
idade do aço – nem sequer completara 25 anos –, mas sem argento no bolso, Eike
saiu em seu primeiro road show. Convenceu dois joalheiros amigos a lhe
emprestar cerca de US$ 500 mil para investir na extração e no comércio de ouro.
Comprou uma mina em Alta
Floresta (MT). Enganado por um sócio, perdeu todo o capital
inicial e ainda os pouco mais de US$ 300 mil de ganhos nas primeiras operações
de venda do metal. Bancarrota!
"Só posso dizer que me vejo muito
longe deste Eike aposentado"
Era mesmo uma outra época. Ao voltar ao Rio de Janeiro, Eike não apenas recebeu
o waiver de seus financiadores como ainda obteve a renovação do crédito e mais
US$ 500 mil para retomar o projeto. Quem dera hedge funds e private equities
fossem tão generosos assim.
Esquisitices
Não são poucas as manias e os fatos insólitos – a maioria deles propagandeada
pelo próprio – que ajudaram a esculpir e popularizar a imagem de Eike Batista
como um personagem na fronteira entre o excêntrico e o folclórico. Como
costumar dizer um ex-executivo do Grupo EBX, às vezes o empresário nem parece
ser um empresário. Entram no rol de esquisitices, apenas para citar algumas, a
coleira com seu nome usada por Luma de Oliveira durante um desfile de Carnaval,
a Mercedes-Benz McLaren, de € 1,2 milhão, estacionada na sala de
sua casa e devidamente exibida em jornais e revistas, o famoso “X” que batiza
todas as suas companhias e a obsessão pela cultura Inca. Esta última, aliás,
está presente em sua trajetória de forma indelével. O sol Inca que caracteriza
a logomarca da EBX e todas as suas controladas acompanha Eike desde a sua
primeira empresa, a Autram.
A Autram enceta aquele que pode ser considerado o segundo tomo da biografia de
Eike Batista. Após o período inicial de aventuras e desventuras nos garimpos do
Centro-Oeste, o empresário se firmou como um dos maiores negociantes de ouro da
região. Em 1981 e 1982, movimentou mais de US$ 60 milhões. Aos 26 anos, já
tinha um patrimônio avaliado em torno de US$ 6 milhões. Despertou o interesse
do grupo canadense Treasure Valley, a quem se associou em 1983. Dois anos
depois, antes de completar 30 de idade, Eike já era o principal acionista,
presidente do Conselho de Administração e diretor-presidente da TVX Gold.
Múltiplo e superlativo, bem ao seu feitio.
Em 2000, ao vender sua participação na TVX Gold, o “labrador farejador de trufas”,
uma das tantas definições com as quais Eike Batista costuma se presentear,
computava a implementação e operação de oito minas de ouro no Brasil e no
Canadá e a geração de mais de US$ 20 bilhões para os acionistas da companhia.
Como dizem os narradores de futebol, não perca a conta. Nesse momento, Eike já
contabilizava uma fortuna pessoal da ordem de US$ 1 bilhão, um retrato em três
por quatro se comparado às cifras que passariam a emoldurar sua imagem a partir
de então.
"É injusto e inaceitável ouvir que
induzi deliberadamente alguém a acreditar num sonho ou numa fantasia"
Eike Batista não está na bissetriz. É perda de tempo procurar medianas em seu
comportamento e estilo. Eike habita nos polos de si próprio. Elege projetos,
ideias, conceitos e pessoas com a mesma intensidade com que os descarta.
Costuma consagrar colaboradores praticamente à posição de ídolos para logo
depois lançar mão de sua porção iconoclasta. Não são poucos os executivos
incensados no verão e mandados para a Sibéria no inverno seguinte. O caso mais
notório e rumoroso é o de Rodolfo Landim, o ex-braço direito que se tornou
desafeto e entrou na Justiça contra Eike pedindo uma indenização de ordem de R$
500 milhões. Não levou. Mas, se lhe serve de consolo, o episódio ajudou a
destampar o caldeirão de cizânias dentro do Grupo EBX e a disseminar a
percepção de que, para Eike, as relações vêm com prazo de validade na
embalagem.
O frenético rodízio de executivos no comando das empresas “X”,
sobretudo em tempos de revés, reforça o senso de que existe um custo Eike, um
tributo irremediavelmente cobrado a todos que convivem diretamente com o
empresário. Nos últimos três anos, calcula-se que mais de duas dezenas de
integrantes da “guarda pretoriana”, como o próprio Eike costuma chamar seus
colaboradores mais próximos, profissionais tenham deixado o grupo. Há casos
emblemáticos, como o do presidente da Federação das Indústrias do Estado Rio de
Janeiro, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, que ficou apenas 50 dias na vice-presidência
da EBX.
Sem vergonha da prosperidade
Se os ônus são muitos, por outro lado, para quem topou as regras
do jogo, muitos bônus já passaram por debaixo desta ponte. Eike – “um gerador e
distribuidor de riquezas”, em outra de suas definições reflexivas – criou um
pelotão de milionários em um volume e ritmo talvez sem precedentes na história
do capitalismo brasileiro. Com o caixa de suas companhias mais do que
reforçado, o empresário lançou mão de uma agressiva política de remuneração.
Rodolfo Landim, de novo ele, amealhou cerca de R$ 160 milhões em quatro anos.
Muitos, no entanto, acreditam que o feitiço virou contra o feiticeiro. Ao
distribuir quantias tão elevadas em períodos demasiadamente cursos, em vez de
criar um sistema de retenção de talentos, Eike teria instituído um grande e
rentável plano de previdência privada para executivos. Como estimular um atleta
que ganhou três Copas do Mundo em um mesmo ano a correr atrás da bola na
temporada seguinte? Muitos de seus craques penduraram as chuteiras ou decidiram
montar seu próprio time.
"Mais do que ninguém, me pergunto onde errei. O que deveria
ter feito de diferente?"
Ainda assim, Eike Batista talvez soltasse uma gargalhada e uma interjeição
jocosa em inglês – uma de suas manias – se questionado sobre a tal provocação
de que, em determinados momentos, nem parece ser um empresário. “E não sou
mesmo”, diria o próprio, para logo depois emendar desabridas críticas à
“vergonha da prosperidade que caracteriza o empresariado nacional”. Em um país
no qual a defesa explícita do lucro é um pecadilho e a fortuna, um anátema,
Eike foi para o outro extremo. Nunca antes na história deste País alguém fez
tanto alarde de sua própria riqueza. Eike expôs publicamente seus ganhos e os
de suas empresas. Alardeou seu patrimônio, celebrou publicamente a chegada ao
topo entre as maiores fortunas do país e prometeu em alto e bom som que
buscaria o cume do ranking internacional. “A questão não é se eu me tornarei o
homem mais rico do mundo, mas quando”, dizia, com sua habitual imodéstia. .
Se, neste momento, a promessa soa como
fanfarronice em estado puro, durante um certo período o País que chorou a perda
do título de Miss Universo pelas duas polegadas a mais de Martha Rocha, como
dizia a lenda, parecia mesmo fadado a conquistar este troféu. É como se Eike
parafraseasse o Poetinha e dissesse: “Que nos perdoem os pobres, mas riqueza é
fundamental”. Rico, como se sabe, o empresário já era, mas nada igual ao que
ocorreria a partir de 2001, com a criação da MPX, braço de energia do grupo.
Chegamos, então, ao terceiro capítulo de sua epopéia, justamente aquele mais
conhecido e esgarçado aos olhos do público.
Depois da MPX, vieram a MMX, de
mineração, a LLX, empresa nascida de um projeto, o chamado Superporto do Açu, a
petroleira OGX e a OSX, de construção naval. De certa forma, uma gerada da
costela da outra – por que não uma pirâmide corporativa? Nos sucessivos IPOs de suas companhias, Eike Batista captou mais de US$ 10 bilhões. A
oferta de ações da OGX foi a maior já realizada na história do mercado
brasileiro de capitais brasileiro: US$ 4,1 bilhões.
"Sou o cara da economia real, que,
mesmo com muitos obstáculos, coloca as coisas de pé"
Ironia ou não, a própria OGX tornou-se o epicentro do fortes abalos sísmicos
que têm chacoalhado o Grupo EBX nos últimos meses. O mesmo mercado que ajudou
na edificação das empresas “X” hoje trinca os alicerces do conglomerado. Eike
prometeu e prometeu muito. Garantiu que, de cada uma de suas companhias,
emergiria um portento da economia física. Alardeou cifras e indicadores, acenou
com milhares de toneladas de minério e de barris de petróleo, com dezenas de
grandes indústrias internacionais na retroárea do Açu, com uma imponente
carteira de pedidos à OSX. Escorou-se em corporações alheias na busca pela
melhor metáfora para definir seus negócios – a MMX seria a mini-Vale; a OGX, a
“Petrobras privada”; a OSX, a “Embraer dos mares”.
Diante da demora da EBX em transformar
expectativa em resultado, o mercado também buscou sua própria alegoria: tem
sido a “Lockheed Martin do X”, bombardeando de forma inclemente as ações e,
consequentemente, a reputação das empresas de Eike Batista.
“O horror, o horror...”
Eike vive seu annus horribilis .
Entre janeiro e maio de 2013, o valor de mercado das empresas “X” caiu mais de
R$ 15 bilhões. Somente a OGX teve um recuo superior a 50% – desde sua abertura
de capital, a depreciação acumulada passa de incríveis 90%. Segundo a
precificação das Bolsas, Eike chegou a perder mais de R$ 1,5 bilhão em único
dia. “O horror, o horror...”, diria o Coronel Kurtz.
Os projetos do Grupo EBX não são o
colosso alardeado pelo próprio Eike Batista e assim precificados pelas bolsas
de valores. Alguns dos ativos foram superestimados, caso das reservas de óleo e
gás da OGX. Outros carregam problemas de concepção e execução, como o
Superporto do Açu. Pelo que se viu nos últimos meses, Eike terá de mostrar
virtudes ainda sub judice . Um dos seus últimos aliados para
isso é o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, convocado a socorrer o
Império X (e hoje um dos maiores credores da EBX). O objetivo foi elaborar um
plano de salvação do grupo, saindo de uma reestruturação para a venda de
ativos, de modo a levantar dinheiro para quitar dívidas, tocar alguns projetos
e tentar sair do naufrágio iminente.
Eike Batista apregoa ter o “dom de vender ideias”. E como duvidar dessa frase
quando dita por alguém que convenceu investidores de todas as latitudes a
aportar mais de US$ 10 bilhões em empresas materializadas apenas sob a forma de
power points e maquetes. Agora, no entanto, o empresário precisará convencer o
mundo ao seu redor que possui também o dom da gestão. O trader de talento
incontestável terá de provar que é capaz de construir em alto-mar e conduzi-lo
à terra firme.