Ao mesmo tempo que parece ser consensual a
necessidade de revisão da Lei de Drogas, existem, entre os especialistas no tema,
diferentes pontos de vista sobre se a modificação da legislação deveria
caminhar na direção da descriminalização dos entorpecentes ou, em sentido
contrário, do fortalecimento das sanções, inseridos entre os polos do debate
todas as opiniões intermediárias e seus argumentos igualmente fundamentados.
Com opiniões distintas sobre o assunto, três desses
especialistas – o promotor de Justiça José Theodoro Corrêa de Carvalho, a
coordenadora do Centro de Referência em Drogas e Vulnerabilidade Associadas da
Universidade de Brasília, Andrea Gallassi, e o professor Norberto Fischer, pai
de menina que depende de tratamento á base de canabidiol – estarão
presentes no seminário 10 anos da Lei de Drogas – Resultados e perspectivas
em uma visão multidisciplinar. O evento acontece nos dias 25 e 26 de abril
no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
Abrandamento
Segundo o
promotor José Theodoro de Carvalho, a Lei 11.343/06 trouxe regras rigorosas
para imputação, processamento e execução da pena no caso de tráfico de drogas,
que possui natureza constitucional comparada ao crime hediondo. Contudo, de
acordo com o promotor, após a declaração de inconstitucionalidade de alguns
dispositivos da legislação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), houve
questionável abrandamento da punição para esses crimes.
“Há processos em que o traficante foi flagrado em
atividade de venda e foi apreendida uma arma raspada em seu carro, por exemplo,
o que gera uma condenação de um ano e oito meses pelo tráfico privilegiado e
uma condenação de dois anos pelo porte de arma de uso restrito”, ponderou o
promotor, que defende modificações na legislação para adequação da equiparação
constitucional da hediondez do tráfico de drogas á interpretação trazida pelo
STF.
País
conservador
Em outra
perspectiva – e como fruto de sua participação em programas de recuperação de
pessoas envolvidas com entorpecentes –, a professora Andrea Gallassi considera
o Brasil um país conservador no enfrentamento da questão das drogas, que é
encarada normalmente como um tema relacionado á polícia, Justiça e segurança
pública, e não como uma questão de saúde, economia e cultura.
Para a professora, que considera “urgente” a
revisão da Lei de Drogas, a proibição associada á criminalização do usuário
contribui para a violência urbana nas grandes cidades e nas regiões de
fronteira, situação agravada pela disputa entre organizações criminosas pelo
“hipertrofiado e altamente rentável” comércio de entorpecentes.
A mudança do panorama normativo passa, segundo
Gallassi, pela observação das práticas bem-sucedidas adotadas por outros
países.
“A tendência internacional, e destaco aqui os
nossos países vizinhos da América Latina, em especial o Uruguai, está apontando
para a compreensão e abordagem deste fenômeno de uma forma que saia da esfera
da proibição e passe para a de regulação, justamente pelos resultados trágicos
que a guerra ás drogas vem acumulando, que contabiliza muito mais mortes do que
o uso de todas as drogas juntas, e o ‘melhor pior’ exemplo que temos no Brasil
é o da cidade do Rio de Janeiro”, destaca a professora.
Novas
regulações
Pai de
Anny, primeira brasileira a ter, em 2014, autorização judicial para importar
medicamento derivado da maconha, o canadibiol, o professor Norberto
Fischer vivenciou diariamente os resultados de um debate enfrentado, como
apontou a professora Gallassi, sobre o prisma da criminalidade.
Todavia, para ele, apesar dos avanços pontuais que
permitiram a atenuação do problema de saúde de sua filha, o Brasil não possui
maturidade política, governamental e social para a simples liberação das
substâncias para os usuários.
“É necessário avançar, mas me preocupa ter uma
possível regulação pautada apenas por valores pessoais de políticos, muitas
vezes sem a devida qualificação ou permeada de preconceitos”, ponderou Fischer,
que defende que a revisão das regulações sobre o tema seja acompanhada por
profissionais qualificados, organizações não governamentais e cidadãos
interessados.
Segundo o professor, as mudanças legislativas
também deveriam abarcar a regulamentação da produção nacional de medicamentos
que usam produtos á base de substâncias atualmente consideradas ilícitas e, no
caso da maconha, a regulação do autocultivo em situações específicas.
“Precisamos ganhar celeridade nos processos para
facilitar e viabilizar os estudos e pesquisas pela academia. Além disso, o
tempo das famílias que possuem entes queridos sofrendo é bem diferente do tempo
usualmente utilizado para regulamentações ou mudanças de leis. Temos pressa”,
ressaltou Fischer.
O
seminário
No
seminário 10 anos da Lei de Drogas, José Theodoro Corrêa de Carvalho,
Andrea Gallassi e Norberto Fischer, em conjunto com juristas, antropólogos,
médicos e outros profissionais de diversas áreas, discutirão a política de
drogas adotada no Brasil e no mundo, as expectativas para uma nova abordagem do
tema, as políticas públicas voltadas á assistência de dependentes químicos, o
uso medicinal de substâncias proscritas, as questões relacionadas a
encarceramento e gênero, bem como aspectos penais e processuais penais na
judicialização dos crimes previstos na Lei de Drogas.
O evento, que tem inscrições
gratuitas, é organizado pela Escola Nacional de Formação e
Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e tem a coordenação científica do
ministro Rogerio Schietti Cruz.
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