19/09/2011

NOVO GOVERNO LÍBIO ADOTA LEI ISLÂMICA. MAS ELES NÃO ERAM DEMOCRATAS?

Líbia vai ser governada pela lei islâmica e a imprensa fazia crer que os rebeldes eram democratas. O que aconteceu?



Durante toda a guerra civil na Líbia, a imprensa brasileira transmitiu um cenário como se estivesse havendo a luta de rebeldes democráticos contra o ditador Muamar Kadafi. Agora, praticamente terminada a guerra, quando os rebeldes passam a controlar o país e são reconhecidos pela comunidade internacional, ficamos sabendo que o novo governo vai implantar a lei islâmica.

Assim como no Iraque, onde o ditador sanguinário Saddam Hussein era o fiador de um regime laico contra os segmentos mais arcaicos da sociedade islâmica, de tendência teocrática, com todos os defeitos, Kadafi mantinha sob controle os setores fundamentalistas.

A Líbia nunca existiu como país. Trata-se de uma abstração italiana, que ao dominar em 1911 três colônias turcas do norte da África (chamadas Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan), acabou por reuni-las sob uma administração conjunta, para a qual adotou um antigo nome egípcio há muito caído em desuso.


A Tripolitânia é a área da Líbia que fica no litoral do Mediterrâneo mais a oeste, em torno da capital do país, Trípoli. A Cirenaica fica no litoral a Leste, em torno da cidade de Benghazi. E o Fezzan é a região do interior, o Sul do país, já desértico, habitado pelas chamadas tribos do deserto.

Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, quando a Itália foi derrotada, Inglaterra e França administraram o país até a independência em 1951. Estabeleceu-se uma monarquia cujo rei era oriundo da Cirenaica. Esta durou até 1969, quando um oficial do exército líder tribal da Tripolitânia liderou um golpe de Estado. Ele se chamava Muamar Kadafi, ficou no poder até agora, quando grupos de rebeldes inicialmente oriundos da Cirenaica, tomaram o poder.

Essa natureza tribal ficou inteiramente eclipsada na imprensa brasileira pelo fascínio por uma possível “primavera líbia”, uma redução do complicado cenário étnico-político do país ao enredo do que tinha acontecido meses antes no Egito (país com governo laico, embora seja uma ditadura, tem partidos mais bem caracterizados politicamente e onde de fato um movimento democrático atuou decisivamente na revolta que derrubou o ditador Mubarack).

A imprensa estrangeira, mesmo publicações que cedem material para os grandes jornais brasileiros, não padeceram do mesmo defeito. Vários artigos foram publicados na Europa e nos Estados Unidos que poderiam ter servido de alerta para os riscos inerentes a uma convulsão política armada, concentrada nas cidades, em um país dividido em tribos e que vinha sendo administrado de forma monárquica absolutista por um ditador extremamente centralizador.

Já a imprensa brasileira se manteve pautada pela simplificação (com raras exceções como no artigo de Renato Pompeu no “Diario de S.Paulo”, em 20/3), o que deixou aos leitores brasileiros a imagem de uma espécie de campanha armada pelas “diretas já”.

Só agora começam a surgir os sinais da face mais bruta dos rebeldes, já acusados por observadores estrangeiros de assassinatos políticos, seu líder declara que o governo vai adotar a lei islâmica, os acordos comerciais com França e Inglaterra parecem mais típicos de um escambo colonial… Enfim, há fortes indícios de que pode estar começando um pesadelo.

Prever ao menos a possibilidade de desfechos menos glamurosos na guerra civil líbia seria uma decorrência quase automática de uma leitura atenta do passado. Nesses países onde a tradição é um peso sempre presente a história é uma ferramenta para compreender também o futuro.

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