Por
decisão unânime, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou
provimento ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 28546, interposto
pelo médico W.V. que questionava penalidade de demissão aplicada contra ele por
falta funcional de inassiduidade habitual, com base nos artigos 132, inciso III
e 139, da Lei 8.112/90. Servidor público desde 1980, ele era médico do
Ministério da Saúde e teria faltado ao trabalho por 90 dias no período de um
ano.
Tese da defesa
Por meio do recurso apresentado ao Supremo, a defesa
pretendia modificar acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou a
segurança. Os advogados do médico alegavam irregularidades no processo
administrativo disciplinar (PAD), entre elas ausência de interrogatório,
superação do prazo do PAD (que durou 528 dias), além de sustentar que houve
desproporcionalidade da penalidade aplicada e ausência de intenção de seu
cliente de abandonar o cargo.
Conforme
os autos, em razão de inassiduidade habitual, previsto no artigo 132, inciso
II, da Lei 8.112/90, foi aplicada pena de demissão contra o médico. A defesa
sustentava que para haver demissão, deveriam ser observados dois requisitos: a
falta do servidor e a intenção de abandonar o cargo.
Contudo,
os advogados argumentavam que não ficou demonstrada a intenção de seu cliente
em abandonar o cargo e afirmavam que, sem a concomitância desses dois
requisitos, não pode ser considerado ilícito a falta de comparecimento ao
serviço público. Além disso, a defesa ressaltou que a pena foi desproporcional
e que a Administração Pública poderia ter aplicado ao caso o desconto dos dias
em que o servidor não compareceu ao trabalho.
Voto do relator
O relator da matéria, ministro Marco Aurélio,
desproveu o recurso, salientando que a defesa não tem razão quanto à alegação
de nulidade do ato do STJ. Segundo o ministro, naquela corte as alegações da
defesa não foram suficientes para a concessão da segurança. Os ministros
entenderam que a conduta do médico indicou a intenção dele em se ausentar do
serviço, uma vez que as faltas não foram justificadas.
O
ministro Marco Aurélio citou a conclusão do STJ no sentido de que, ao contrário
do sustentado pelo servidor, não é necessária a comprovação da intenção do
servidor em abandonar o cargo, “bastando que as faltas não sejam devidamente
justificadas para ficar caracterizada a sua desídia”. Ainda, ao citar o acórdão
do STJ, o relator afirmou que “a penalidade foi imposta a partir de elementos
convincentes da postura censurável do impetrante em relação as suas
responsabilidades funcionais aferidos em procedimento realizado em harmonia com
os princípios embasadores da atividade sancionadora da administração,
sobremaneira o da proporcionalidade e o da razoabilidade, uma vez que a conduta
apurada é grave e possui a demissão como sanção disciplinar”.
Em
seu voto, o ministro Marco Aurélio ressaltou que a falta de defesa técnica por
advogado no processo administrativo disciplinar, não ofende a Constituição
Federal. Conforme ele, houve a indicação de procurador dativo, que era servidor
público estável e médico como o recorrente. Assim, foi atendida regra da Lei
8.112 (artigo 164, parágrafo segundo), segundo a qual para defender o indiciado
revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como
defensor dativo que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo
nível ou ter nível de escolaridade igual ou superior do indiciado.
O
relator também salientou que o julgamento do PAD fora do prazo legal não
implica nulidade. “No caso concreto, o período foi regularmente observado”,
disse. O ministro também avaliou que as ausências do recorrente durante a
oitiva das testemunhas e a falta do respectivo depoimento decorreram da
revelia. “Ele foi regularmente citado, tendo recebido no ato o termo de
instrução e indicação, bem como o cronograma dos interrogatórios”, afirmou,
completando que o médico não tomou providências para apresentar defesa.
Nesse
contexto, o ministro entendeu que não há necessidade de comprovar o dolo de
abandono como sustentado nas razões do recurso. “O impetrante faltou ao
trabalho injustificadamente por 90 dias no período de 12 meses, o que significa
um quarto do ano”. A estabilidade conferida ao servidor público tem a precípua
finalidade de garantir-lhe independência e autonomia, criando condições para o
melhor desempenho da função pública, livre de pressões políticas e ideológicas.
Para o ministro, descabe cogitá-la como escudo para a desídia.
De
acordo com o ministro, o médico era lotado no Centro Municipal de Saúde de
Cachoeiro do Itapemerim, no estado do Espírito Santo, e sua ausência do
trabalho, conforme relatos contidos no processo, causou grave prejuízo à saúde
das crianças assistidas pelo ministério, “bem como revolta das mães que
compareciam ali para tratamento de seus filhos”.
Trabalho em outra cidade
Com base em informações da comissão disciplinar, o
relator destacou que o servidor se beneficiava com tal situação, pois,
comprovadamente, trabalhava em outro município –Teixeira de Freitas, no Estado
da Bahia –, distante 520
quilômetros e onde foi citado, “revelando o real motivo
de sua inassiduidade obtendo acréscimo dos seus rendimentos de forma
ilegítima”. Lá, ele trabalhava como plantonista no Pronto Socorro do Hospital
Municipal de Teixeira de Freitas, sendo responsável pelo banco de sangue, além
de ser médico ativo no programa de saúde da família. Constatou-se, ainda, que
em Teixeira de Freitas o servidor tem uma clínica particular.
Dessa
forma, o ministro Marco Aurélio negou provimento ao recurso e foi seguido por
unanimidade dos votos.
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