“Os
números em si são exatos, e dificilmente geram dúvidas. Mas, quando eles se
relacionam com outros números, se transformam em uma política, e toda política
é permeada por uma ideologia”, diz especialista em Direito previdenciário
Alexandre Triches *
Para a compreensão da problemática por detrás da reforma da Previdência
apresentada pela PEC 287/16, não é necessário entender apenas de conceitos
econômicos ou atuariais, conforme tem sido o objeto dos debates entre os
defensores e os críticos das mudanças. Os números em si são exatos, e
dificilmente geram dúvidas. Mas, quando eles se relacionam com outros números,
se transformam em uma política, e toda política, invariavelmente, é permeada
por uma ideologia.
Por isso que, para entender de
reforma previdenciária, precisamos compreender a ideologia, notadamente aquela
que predomina no período a ser objeto de nossa análise. E, para compreender
ideologia, precisamos entender a história. O Seguro Social foi desenvolvido na
idade moderna por Otto Von Bismarck. O chanceler alemão criou, em 1883, uma
série de seguros para proteger o trabalhador contra os riscos dos acidentes do
trabalho, das incapacidades e do advento da idade avançada.
O contexto era do liberalismo econômico
já em decadência, após o auge da Revolução Industrial, havendo uma mudança
progressiva das condições sociais da população. Conta-se que a intenção daquele
que é conhecido como o pai da Previdência, na verdade, não foi de tutelar os
interesses dos trabalhadores. Chanceler hábil, Bismarck instituiu um sistema de
Previdência Social para barganhar apoio político diante da crise econômica e do
avanço dos ideais socialistas (críticas social-democratas), que colocavam em
risco a estabilidade política e a unidade da Alemanha na época.
Assim foi iniciada a saga
previdenciária no estado moderno, vejam, mais política do que social. Com a
entrada do século XX, o liberalismo econômico é rechaçado e tem-se a afirmação
do Estado como agente indispensável no desenvolvimento dos países. A teoria
Keynesiana influencia a renovação das teorias clássicas e surge uma estrutura
denominada de “Estado de Bem-Estar Social” – uma política na qual o Estado é o
responsável pela garantia dos mínimos sociais, como direitos trabalhistas,
previdenciárias e de índole sanitária.
É justamente nesse período que o
setor previdenciário tem seu grande impulso: transforma-se em Seguridade
Social, com proteção não apenas para quem contribuiu, mas para a universalidade
da população. Tais ideais desembarcam no Brasil com a Constituinte de 1988,
trazendo entusiasmo diante da promessa de que o país estará focado
prioritariamente na resolução das questões sociais.
Acontece que, no final da década
de 80, vive-se uma nova virada (queda do Muro de Berlim) com o advento de um
novo Estado liberal (denominado de neoliberal). Diante do novo contexto,
torna-se pressuposto a diminuição do papel do Estado. A desregulamentação da
economia. A privatização de amplos setores estatais. Uma nova dimensão na relação
entre sociedade e poder público.
A promoção de direitos sociais é
mitigada, pois saúde, educação e previdência tornam-se consequências, e não a
razão do desenvolvimento econômico. Fomenta-se o desenvolvimento do setor
privado, em substituição ao Estado-providência. Contesta-se o papel do poder
público na proteção do trabalhador, na resolução das questões sociais.
Afirma-se que a Previdência é insustentável. A racionalidade alcança um nível
ideológico completamente diferente da fase anterior a desafiar a sociedade
quanto ao futuro do Estado perante as próximas gerações.
Talvez, por isso, que, mesmos
certos em nossos argumentos, não seremos ouvidos em nossa demonstração de que a
Previdência Social é fundamental para o país. Que sem a desvinculação das
receitas da União a Previdência seria superavitária. Que se não houvesse uma
política de desonerações fiscais irresponsável sobraria dinheiro para pagar os
benefícios sociais. Que o Brasil é um país de dimensões continentais e, talvez,
diferente dos exemplos sempre citados, de países europeus, possua riquezas para
manter uma Previdência forte. Que não é o pequeno produtor rural o vilão das
contas públicas brasileiras.
Talvez por isso, também, que,
assim como não foi para proteger a pessoa humana o mote de Sir Bismarck, em
1983, ao propor a criação da Previdência Social, certamente que, no momento
atual, não é para preservá-la para as novas gerações a razão governamental por
detrás das alterações na Previdência Social.
* Alexandre Triches é advogado,
especialista em Direito Previdenciário.
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