Incentivadas em todo o país desde fevereiro de 2015, as audiências de
custódia foram regulamentadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta
terça-feira (15/12), durante a 223ª Sessão Ordinária. Aprovada por unanimidade,
a Resolução detalha o procedimento de apresentação de presos em flagrante ou
por mandado de prisão à autoridade judicial competente e possui dois protocolos
de atuação – um sobre aplicação de penas alternativas e outro sobre os
procedimentos para apuração de denúncias de tortura. Os tribunais terão 90 dias
para implantar em todo território nacional as disposições a partir de 1º de
fevereiro de 2016, data em que a resolução entrará em vigor.
Nos diferentes tribunais do país, as audiências de custódia foram
instaladas por meio de acordos de cooperação firmados entre o CNJ e órgãos do
Judiciário e do Executivo em todas as unidades da federação. Com a aprovação
desta resolução, as audiências de custódia passam a ter seu modo de
funcionamento uniformizado, aprimorando as rotinas procedimentais já formuladas
pelas experiências. Referendando diversos pactos internacionais assinados pelo
Brasil, o documento está respaldado por duas decisões recentes do Supremo
Tribunal Federal (STF) que confirmaram a legalidade das audiências de custódia durante
o julgamento da Ação Declaratória de Preceito Fundamental 347 e da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 5.240. -grifamos-.
O presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, lembrou que o texto
da resolução contém o que há de melhor das experiências dos tribunais na
implantação da iniciativa. “O que temos neste primeiro momento é uma síntese da
experiência dos 27 tribunais estaduais e de algumas varas federais no que diz
respeito à audiência de custódia”, afirmou. O ministro lembrou a oportunidade
da aprovação da medida em um momento em que o Congresso Nacional analisa
projeto de lei para regulamentar a realização das audiências de custódia na
legislação.
O relator da matéria, conselheiro Bruno Ronchetti, destacou o êxito como
o projeto do CNJ foi pensado e executado, destacando sua aptidão para o combate
à cultura do encarceramento e também visando a efetividade da defesa dos
direitos humanos. “Como Vossa Excelência tem dito por todo o país, Senhor
Presidente, as audiências de custódia são uma medida simples, mas muito eficaz,
e que dá concretude e eficácia aos direitos humanos”, afirmou. A corregedora
Nacional de Justiça, ministra Nancy Andrighi, e os conselheiros Fabiano
Silveira, Arnaldo Hossepian e Norberto Campelo manifestaram-se favoráveis à
resolução, cuja redação foi organizada pelo coordenador do Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo
(DMF/CNJ), juiz Luís Lanfredi.
Funcionamento – A resolução determina a obrigatoriedade da apresentação pessoal
do preso em flagrante, como também daquele preso por mandado de prisão, a um
juiz no prazo de 24 horas, inclusive em fim de semana e feriado. O texto
confirma a necessidade da presença do Ministério Público e do defensor durante
a audiência, reafirmando a indispensabilidade do prévio contato entre o preso e
seu advogado ou defensor público.
A resolução ainda trata do Sistema Audiência de Custódia (Sistac),
desenvolvido e distribuído gratuitamente pelo CNJ para ser usado em caráter
nacional por todas as unidades judiciais envolvidas nas audiências de custódia,
objetivando facilitar a coleta de dados e a produção de estatísticas sobre a
porta de entrada do sistema carcerário, inclusive destacando as referências a
denúncias de tortura e maus-tratos, cujo método de apuração é inovadoramente
tratado na resolução. O texto também sinaliza que o uso de tornozeleiras
eletrônicas como medida alternativa à prisão é excepcional e deve acontecer
apenas quando não for possível a concessão de liberdade provisória sem cautelar
ou com cautelar menos gravosa. Ainda segundo a resolução, o uso da tornozeleira
deve passar por reavaliação periódica, devendo o equipamento ser destinado
apenas às pessoas acusadas por crimes com pena superior a quatro anos ou
condenadas por outro crime com sentença transitada em julgado, além de pessoas
em cumprimento de outras medidas protetivas de urgência.
Papel do juiz – A resolução detalha com maior especificidade o papel do juiz
durante o ato, oferecendo-lhe protocolos e orientação sobre o modo de atuação
judicial. O objetivo foi o de conferir ao magistrado um guia específico para
sua intervenção no ato, habilitando-o a atuar com mais segurança e
discricionariedade para resguardar direitos e aferir a legalidade estrita do
ato de prisão.
Item 113 – Ato Normativo – 0005913-65.2015.2.00.0000
Agência CNJ de Notícias
CONFIRA A ÍNTEGRA DA RESOLUÇÃO:
Atos
Administrativos
Resolução CNJ Nº
213 de 15/12/2015
Ementa: Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade
judicial no prazo de 24 horas.
Origem: Presidência
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas
atribuições legais e regimentais;
CONSIDERANDO o art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos das Nações Unidas, bem como o art. 7º, item 5, da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica);
CONSIDERANDO a decisão nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental 347 do Supremo Tribunal Federal, consignando a obrigatoriedade da
apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente;
CONSIDERANDO o que dispõe a letra "a" do inciso I do art. 96 da
Constituição Federal, que defere aos tribunais a possibilidade de tratarem da
competência e do funcionamento dos seus serviços e órgãos jurisdicionais e
administrativos;
CONSIDERANDO a decisão prolatada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240
do Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade da disciplina
pelos Tribunais da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial
competente;
CONSIDERANDO o relatório produzido pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU
(CAT/OP/BRA/R.1, 2011), pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU
(A/HRC/27/48/Add.3, 2014) e o relatório sobre o uso da prisão provisória nas
Américas da Organização dos Estados Americanos;
CONSIDERANDO o diagnóstico de pessoas presas apresentado pelo CNJ e o INFOPEN
do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN/MJ),
publicados, respectivamente, nos anos de 2014 e 2015, revelando o contingente
desproporcional de pessoas presas provisoriamente;
CONSIDERANDO que a prisão, conforme previsão constitucional (CF, art. 5º, LXV,
LXVI), é medida extrema que se aplica somente nos casos expressos em lei e
quando a hipótese não comportar nenhuma das medidas cautelares alternativas;
CONSIDERANDO que as inovações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei
12.403, de 4 de maio de 2011, impuseram ao juiz a obrigação de converter em
prisão preventiva a prisão em flagrante delito, somente quando apurada a
impossibilidade de relaxamento ou concessão de liberdade provisória, com ou sem
medida cautelar diversa da prisão;
CONSIDERANDO que a condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o
meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da
prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das
pessoas submetidas à custódia estatal, previsto no art. 5.2 da Convenção
Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes;
CONSIDERANDO o disposto na Recomendação CNJ 49 de 1º de abril de 2014;
CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no julgamento do Ato Normativo
0005913-65.2015.2.00.0000, na 223ª Sessão Ordinária, realizada em 15 de
dezembro de 2015;
RESOLVE:
Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito,
independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente
apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial
competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou
apreensão.
§ 1º A comunicação da prisão em flagrante à autoridade judicial, que se
dará por meio do encaminhamento do auto de prisão em flagrante, de acordo com
as rotinas previstas em cada Estado da Federação, não supre a apresentação
pessoal determinada no caput.
§ 2º Entende-se por autoridade judicial competente aquela assim disposta
pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por
ato normativo do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local que instituir as
audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista.
§ 3º No caso de prisão em flagrante delito da competência originária de
Tribunal, a apresentação do preso poderá ser feita ao juiz que o Presidente do
Tribunal ou Relator designar para esse fim.
§ 4º Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo
circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser
apresentada ao juiz no prazo do caput, deverá ser assegurada a realização da
audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se
mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de
custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de
apresentação.
§ 5º O CNJ, ouvidos os órgãos jurisdicionais locais, editará ato
complementar a esta Resolução, regulamentando, em caráter excepcional, os
prazos para apresentação à autoridade judicial da pessoa presa em Municípios ou
sedes regionais a serem especificados, em que o juiz competente ou plantonista
esteja impossibilitado de cumprir o prazo estabelecido no caput .
Art. 2º O deslocamento da pessoa presa em flagrante delito ao local da
audiência e desse, eventualmente, para alguma unidade prisional específica, no
caso de aplicação da prisão preventiva, será de responsabilidade da Secretaria
de Administração Penitenciária ou da Secretaria de Segurança Pública, conforme
os regramentos locais.
Parágrafo único. Os tribunais poderão celebrar convênios de modo a
viabilizar a realização da audiência de custódia fora da unidade judiciária
correspondente.
Art. 3º Se, por qualquer motivo, não houver juiz na comarca até o final
do prazo do art. 1º, a pessoa presa será levada imediatamente ao substituto
legal, observado, no que couber, o § 5º do art. 1º.
Art. 4º A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério
Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor
constituído no momento da lavratura do flagrante.
Parágrafo único. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis
pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia.
Art. 5º Se a pessoa presa em flagrante delito constituir advogado até o
término da lavratura do auto de prisão em flagrante, o Delegado de polícia
deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio eletrônico,
telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia,
consignando nos autos.
Parágrafo único. Não havendo defensor constituído, a pessoa presa será
atendida pela Defensoria Pública.
Art. 6º Antes da apresentação da pessoa presa ao juiz, será assegurado
seu atendimento prévio e reservado por advogado por ela constituído ou defensor
público, sem a presença de agentes policiais, sendo esclarecidos por
funcionário credenciado os motivos, fundamentos e ritos que versam a audiência
de custódia.
Parágrafo único. Será reservado local apropriado visando a garantia da
confidencialidade do atendimento prévio com advogado ou defensor público.
Art. 7º A apresentação da pessoa presa em flagrante delito à autoridade
judicial competente será obrigatoriamente precedida de cadastro no Sistema de
Audiência de Custódia (SISTAC).
§ 1º O SISTAC, sistema eletrônico de amplitude nacional, disponibilizado
pelo CNJ, gratuitamente, para todas as unidades judiciais responsáveis pela
realização da audiência de custódia, é destinado a facilitar a coleta dos dados
produzidos na audiência e que decorram da apresentação de pessoa presa em
flagrante delito a um juiz e tem por objetivos:
I - registrar formalmente o fluxo das audiências de custódia nos
tribunais;
II - sistematizar os dados coletados durante a audiência de custódia, de
forma a viabilizar o controle das informações produzidas, relativas às prisões
em flagrante, às decisões judiciais e ao ingresso no sistema prisional;
III - produzir estatísticas sobre o número de pessoas presas em
flagrante delito, de pessoas a quem foi concedida liberdade provisória, de
medidas cautelares aplicadas com a indicação da respectiva modalidade, de
denúncias relativas a tortura e maus tratos, entre outras;
IV - elaborar ata padronizada da audiência de custódia;
V - facilitar a consulta a assentamentos anteriores, com o objetivo de
permitir a atualização do perfil das pessoas presas em flagrante delito a
qualquer momento e a vinculação do cadastro de seus dados pessoais a novos atos
processuais;
VI - permitir o registro de denúncias de torturas e maus tratos, para
posterior encaminhamento para investigação;
VII - manter o registro dos encaminhamentos sociais, de caráter
voluntário, recomendados pelo juiz ou indicados pela equipe técnica, bem como
os de exame de corpo de delito, solicitados pelo juiz;
VIII - analisar os efeitos, impactos e resultados da implementação da
audiência de custódia.
§ 2º A apresentação da pessoa presa em flagrante delito em juízo
acontecerá após o protocolo e distribuição do auto de prisão em flagrante e
respectiva nota de culpa perante a unidade judiciária correspondente, dela
constando o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas do
flagrante, perante a unidade responsável para operacionalizar o ato, de acordo
com regramentos locais.
§ 3º O auto de prisão em flagrante subsidiará as informações a serem
registradas no SISTAC, conjuntamente com aquelas obtidas a partir do relato do
próprio autuado.
§ 4º Os dados extraídos dos relatórios mencionados no inciso III do § 1º
serão disponibilizados no sítio eletrônico do CNJ, razão pela qual as
autoridades judiciárias responsáveis devem assegurar a correta e contínua
alimentação do SISTAC.
Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a
pessoa presa em flagrante, devendo:
I - esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões
a serem analisadas pela autoridade judicial;
II - assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de
resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito;
III - dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio;
IV - questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de
exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição,
particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o
de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares;
V - indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão;
VI - perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde
passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de
tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis;
VII - verificar se houve a realização de exame de corpo de delito,
determinando sua realização nos casos em que:
a) não tiver sido realizado;
b) os registros se mostrarem insuficientes;
c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao
exame realizado;
d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial,
observando-se a Recomendação CNJ 49/2014 quanto à formulação de quesitos ao
perito;
VIII - abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova
para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão
em flagrante;
IX - adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis
irregularidades;
X - averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência
de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito,
histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência
química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da
concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.
§ 1º Após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o juiz deferirá
ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis
com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos
fatos que possam constituir eventual imputação, permitindo-lhes, em seguida,
requerer:
I - o relaxamento da prisão em flagrante;
II - a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida
cautelar diversa da prisão;
III - a decretação de prisão preventiva;
IV - a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da
pessoa presa.
§ 2º A oitiva da pessoa presa será registrada, preferencialmente, em
mídia, dispensando-se a formalização de termo de manifestação da pessoa presa
ou do conteúdo das postulações das partes, e ficará arquivada na unidade
responsável pela audiência de custódia.
§ 3º A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação
fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão,
cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares
diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte, como também as
providências tomadas, em caso da constatação de indícios de tortura e maus
tratos.
§ 4º Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à
pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público,
tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com
antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição.
§ 5º Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em
flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de
medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato
arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante delito será prontamente
colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será
informada sobre seus direitos e obrigações, salvo se por outro motivo tenha que
continuar presa.
Art. 9º A aplicação de medidas cautelares diversas da prisão previstas
no art. 319 do CPP deverá compreender a avaliação da real adequação e
necessidade das medidas, com estipulação de prazos para seu cumprimento e para
a reavaliação de sua manutenção, observandose o Protocolo I desta Resolução.
§ 1º O acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão
determinadas judicialmente ficará a cargo dos serviços de acompanhamento de
alternativas penais, denominados Centrais Integradas de Alternativas Penais,
estruturados preferencialmente no âmbito do Poder Executivo estadual, contando
com equipes multidisciplinares, responsáveis, ainda, pela realização dos
encaminhamentos necessários à Rede de Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde
(SUS) e à rede de assistência social do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), bem como a outras políticas e programas ofertados pelo Poder Público,
sendo os resultados do atendimento e do acompanhamento comunicados regularmente
ao juízo ao qual for distribuído o auto de prisão em flagrante após a realização
da audiência de custódia.
§ 2º Identificadas demandas abrangidas por políticas de proteção ou de
inclusão social implementadas pelo Poder Público, caberá ao juiz encaminhar a
pessoa presa em flagrante delito ao serviço de acompanhamento de alternativas
penais, ao qual cabe a articulação com a rede de proteção social e a
identificação das políticas e dos programas adequados a cada caso ou, nas
Comarcas em que inexistirem serviços de acompanhamento de alternativas penais,
indicar o encaminhamento direto às políticas de proteção ou inclusão social
existentes, sensibilizando a pessoa presa em flagrante delito para o
comparecimento de forma não obrigatória.
§ 3° O juiz deve buscar garantir às pessoas presas em flagrante delito o
direito à atenção médica e psicossocial eventualmente necessária, resguardada a
natureza voluntária desses serviços, a partir do encaminhamento ao serviço de
acompanhamento de alternativas penais, não sendo cabível a aplicação de medidas
cautelares para tratamento ou internação compulsória de pessoas autuadas em
flagrante que apresentem quadro de transtorno mental ou de dependência química,
em desconformidade com o previsto no art. 4º da Lei 10.216, de 6 de abril de
2001, e no art. 319, inciso VII, do CPP.
Art. 10. A aplicação da medida cautelar diversa da prisão prevista no
art. 319, inciso IX, do Código de Processo Penal, será excepcional e
determinada apenas quando demonstrada a impossibilidade de concessão da
liberdade provisória sem cautelar ou de aplicação de outra medida cautelar
menos gravosa, sujeitando-se à reavaliação periódica quanto à necessidade e
adequação de sua manutenção, sendo destinada exclusivamente a pessoas presas em
flagrante delito por crimes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade
máxima superior a 4 (quatro) anos ou condenadas por outro crime doloso, em
sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do
art. 64 do Código Penal, bem como pessoas em cumprimento de medidas protetivas
de urgência acusadas por crimes que envolvam violência doméstica e familiar
contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, quando não couber outra medida menos gravosa.
Parágrafo único. Por abranger dados que pressupõem sigilo, a utilização
de informações coletadas durante a monitoração eletrônica de pessoas dependerá
de autorização judicial, em atenção ao art. 5°, XII, da Constituição Federal.
Art. 11. Havendo declaração da pessoa presa em flagrante delito de que
foi vítima de tortura e maus tratos ou entendimento da autoridade judicial de
que há indícios da prática de tortura, será determinado o registro das
informações, adotadas as providências cabíveis para a investigação da denúncia
e preservação da segurança física e psicológica da vítima, que será encaminhada
para atendimento médico e psicossocial especializado.
§ 1º Com o objetivo de assegurar o efetivo combate à tortura e maus
tratos, a autoridade jurídica e funcionários deverão observar o Protocolo II
desta Resolução com vistas a garantir condições adequadas para a oitiva e
coleta idônea de depoimento das pessoas presas em flagrante delito na audiência
de custódia, a adoção de procedimentos durante o depoimento que permitam a
apuração de indícios de práticas de tortura e de providências cabíveis em caso
de identificação de práticas de tortura.
§ 2º O funcionário responsável pela coleta de dados da pessoa presa em
flagrante delito deve cuidar para que sejam coletadas as seguintes informações,
respeitando a vontade da vítima:
I - identificação dos agressores, indicando sua instituição e sua
unidade de atuação;
II - locais, datas e horários aproximados dos fatos;
III - descrição dos fatos, inclusive dos métodos adotados pelo agressor
e a indicação das lesões sofridas;
IV - identificação de testemunhas que possam colaborar para a
averiguação dos fatos;
V - verificação de registros das lesões sofridas pela vítima;
VI - existência de registro que indique prática de tortura ou maus
tratos no laudo elaborado pelos peritos do Instituto Médico Legal;
VII - registro dos encaminhamentos dados pela autoridade judicial para
requisitar investigação dos relatos;
VIII - registro da aplicação de medida protetiva ao autuado pela autoridade
judicial, caso a natureza ou gravidade dos fatos relatados coloque em risco a
vida ou a segurança da pessoa presa em flagrante delito, de seus familiares ou
de testemunhas.
§ 3º Os registros das lesões poderão ser feitos em modo fotográfico ou
audiovisual, respeitando a intimidade e consignando o consentimento da vítima.
§ 4º Averiguada pela autoridade judicial a necessidade da imposição de
alguma medida de proteção à pessoa presa em flagrante delito, em razão da
comunicação ou denúncia da prática de tortura e maus tratos, será assegurada,
primordialmente, a integridade pessoal do denunciante, das testemunhas, do
funcionário que constatou a ocorrência da prática abusiva e de seus familiares,
e, se pertinente, o sigilo das informações.
§ 5º Os encaminhamentos dados pela autoridade judicial e as informações
deles resultantes deverão ser comunicadas ao juiz responsável pela instrução do
processo.
Art. 12. O termo da audiência de custódia será apensado ao inquérito ou
à ação penal.
Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas
também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de
mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os
procedimentos previstos nesta Resolução.
Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter,
expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa
presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a
expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da
jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei
de organização judiciária local.
Art. 14. Os tribunais expedirão os atos necessários e auxiliarão os
juízes no cumprimento desta Resolução, em consideração à realidade local,
podendo realizar os convênios e gestões necessárias ao seu pleno cumprimento.
Art. 15. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais terão
o prazo de 90 dias, contados a partir da entrada em vigor desta Resolução, para
implantar a audiência de custódia no âmbito de suas respectivas jurisdições.
Parágrafo único. No mesmo prazo será assegurado, às pessoas presas em
flagrante antes da implantação da audiência de custódia que não tenham sido
apresentadas em outra audiência no curso do processo de conhecimento, a
apresentação à autoridade judicial, nos termos desta Resolução.
Art. 16. O acompanhamento do cumprimento da presente Resolução contará
com o apoio técnico do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e Execução das Medidas Socioeducativas.
Art. 17. Esta Resolução entra em vigor a partir de 1º de fevereiro de
2016.
Ministro Ricardo Lewandowski
PROTOCOLO I
Procedimentos para a aplicação e o acompanhamento de medidas cautelares
diversas da prisão para custodiados apresentados nas audiências de
custódia
Este documento tem por objetivo apresentar orientações e diretrizes
sobre a aplicação e o acompanhamento de medidas cautelares diversas da prisão
para custodiados apresentados nas audiências de custódia.
1. Fundamentos legais e finalidade das medidas cautelares diversas da
prisão
A Lei das Cautelares (Lei 12.403/11) foi instituída com o objetivo de
conter o uso excessivo da prisão provisória. Ao ampliar o leque de
possibilidades das medidas cautelares, a Lei das Cautelares introduziu no
ordenamento jurídico penal modalidades alternativas ao encarceramento
provisório.
Com a disseminação das audiências de custódia no Brasil, e diante da
apresentação do preso em flagrante a um juiz, é possível calibrar melhor a
necessidade da conversão das prisões em flagrante em prisões provisórias, tal
como já demonstram as estatísticas dessa prática em todas as Unidades da
Federação.
Quanto mais demorado é o processo criminal, menor é a chance de que a
pessoa tenha garantido o seu direito a uma pena alternativa à prisão.
Também menores são os índices de reincidência quando os réus não são
submetidos à experiência de prisionalização.
O cárcere reforça o ciclo da violência ao contribuir para a ruptura dos
vínculos familiares e comunitários da pessoa privada de liberdade, que sofre
ainda com a estigmatização e as consequentes dificuldades de acesso ao mercado
de trabalho, ampliando a situação de marginalização e a chance de ocorrerem
novos processos de criminalização.
Apesar desse cenário, o Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (2015), consolidado pelo Departamento Penitenciário Nacional,
aponta que 41% da população prisional no país é composta por presos sem
condenação, que aguardam privados de liberdade o julgamento de seu processo.
A esse respeito, pesquisa publicada pelo IPEA (2015), sobre a Aplicação
de Penas e Medidas Alternativas, aponta que em 37,2% dos casos em que réus
estiveram presos provisoriamente, não houve condenação à prisão ao final do
processo, resultando em absolvição ou condenação a penas restritivas de
direitos em sua maioria. A pesquisa confirma, no país, diagnósticos de
observadores internacionais, quanto "ao sistemático, abusivo e
desproporcional uso da prisão provisória pelo sistema de justiça".
As medidas cautelares devem agregar novos paradigmas a sua imposição, de
modo que a adequação da medida se traduza na responsabilização do autuado,
assegurando-lhe, ao mesmo tempo, condições de cumprimento dessas modalidades
autonomia e liberdade, sem prejuízo do encaminhamento a programas e políticas
de proteção e inclusão social já instituídos e disponibilizados pelo poder
público.
Nesse sentido, conforme previsto nos Acordos de Cooperação nº 05, nº 06
e nº 07, de 09 de abril de 2015, firmados entre o Conselho Nacional de Justiça
e o Ministério da Justiça, as medidas cautelares diversas da prisão aplicadas
no âmbito das audiências de custódia serão encaminhadas para acompanhamento em
serviços instituídos preferencialmente no âmbito do Poder Executivo estadual,
denominados Centrais Integradas de Alternativas Penais ou com outra
nomenclatura, bem como às Centrais de Monitoração Eletrônica, em casos
específicos. Caberá ao Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao
Ministério da Justiça, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, elaborar
manuais de gestão dessas práticas, com indicação das metodologias de
acompanhamento dessas medidas.
Ainda de acordo com os acordos de cooperação, as medidas cautelares
diversas da prisão deverão atentar às seguintes finalidades:
I. a promoção da autonomia e da cidadania da pessoa submetida à medida;
II. o incentivo à participação da comunidade e da vítima na resolução
dos conflitos;
III. a autoresponsabilização e a manutenção do vínculo da pessoa
submetida à medida com a comunidade, com a garantia de seus direitos
individuais e sociais; e
IV. a restauração das relações sociais.
2. Diretrizes para a aplicação e o acompanhamento das medidas cautelares
diversas da prisão
De forma a assegurar os fundamentos legais e as finalidades para a
aplicação e o acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão, o juiz
deverá observar as seguintes diretrizes:
I. Reserva da lei ou da legalidade: A aplicação e o acompanhamento
das medidas cautelares diversas da prisão devem se ater às hipóteses previstas
na legislação, não sendo cabíveis aplicações de medidas restritivas que
extrapolem a legalidade.
II. Subsidiariedade e intervenção penal mínima: É preciso
limitar a intervenção penal ao mínimo e garantir que o uso da prisão seja
recurso residual junto ao sistema penal, privilegiando outras respostas aos
problemas e conflitos sociais. As intervenções penais devem se ater às mais
graves violações aos direitos humanos e se restringir ao mínimo necessário para
fazer cessar a violação, considerando os custos sociais envolvidos na aplicação
da prisão provisória ou de medidas cautelares que imponham restrições à
liberdade.
III. Presunção de inocência: A presunção da inocência deve
garantir às pessoas o direito à liberdade, à defesa e ao devido processo legal,
devendo a prisão preventiva, bem como a aplicação de medidas cautelares
diversas da prisão serem aplicadas de forma residual. A concessão da liberdade
provisória sem ou com cautelares diversas da prisão é direito e não benefício,
devendo sempre ser considerada a presunção de inocência das pessoas acusadas.
Dessa forma, a regra deve ser a concessão da liberdade provisória sem a
aplicação de cautelares, resguardando este direito sobretudo em relação a
segmentos da população mais vulneráveis a processos de criminalização e com
menor acesso à justiça.
IV. Dignidade e liberdade: A aplicação e o acompanhamento
das medidas cautelares diversas da prisão devem primar pela dignidade e
liberdade das pessoas. Esta liberdade pressupõe participação ativa das partes
na construção das medidas, garantindo a individualização, a reparação, a
restauração das relações e a justa medida para todos os envolvidos.
V. Individuação, respeito às trajetórias individuais e reconhecimento
das potencialidades: Na aplicação e no acompanhamento das medidas cautelares diversas
da prisão, deve-se respeitar as trajetórias individuais, promovendo soluções
que comprometam positivamente as partes, observando-se as potencialidades
pessoais dos sujeitos, destituindo as medidas de um sentido de mera retribuição
sobre atos do passado, incompatíveis com a presunção de inocência assegurada
constitucionalmente. É necessário promover sentidos emancipatórios para as
pessoas envolvidas, contribuindo para a construção da cultura da paz e para a
redução das diversas formas de violência.
VI. Respeito e promoção das diversidades: Na aplicação
e no acompanhamento das medidas cautelares diversas da prisão, o Poder
Judiciário e os programas de apoio à execução deverão garantir o respeito às
diversidades geracionais, sociais, étnico/raciais, de gênero/sexualidade, de
origem e nacionalidade, renda e classe social, de religião, crença, entre
outras.
VII. Responsabilização: As medidas cautelares diversas
da prisão devem promover a responsabilização com autonomia e liberdade dos
indivíduos nelas envolvidas. Nesse sentido, a aplicação e o acompanhamento das
medidas cautelares diversas da prisão devem ser estabelecidos a partir e com o
compromisso das partes, de forma que a adequação da medida e seu cumprimento se
traduzam em viabilidade e sentido para os envolvidos.
VIII. Provisoriedade: A aplicação e o acompanhamento
das medidas cautelares diversas da prisão devem se ater à provisoriedade das
medidas, considerando o impacto dessocializador que as restrições implicam. A
morosidade do processo penal poderá significar um tempo de medida indeterminado
ou injustificadamente prolongado, o que fere a razoabilidade e o princípio do
mínimo penal. Nesse sentido, as medidas cautelares diversas da prisão deverão
ser aplicadas sempre com a determinação do término da medida, além de se
assegurar a reavaliação periódica das medidas restritivas aplicadas.
IX. Normalidade: A aplicação e o acompanhamento das medidas
cautelares diversas da prisão devem ser delineadas a partir de cada situação
concreta, em sintonia com os direitos e as trajetórias individuais das pessoas
a cumprir. Assim, tais medidas devem primar por não interferir ou fazê-lo de
forma menos impactante nas rotinas e relações cotidianas das pessoas
envolvidas, limitando-se ao mínimo necessário para a tutela pretendida pela
medida, sob risco de aprofundar os processos de marginalização e de
criminalização das pessoas submetidas às medidas.
X. Não penalização da pobreza: A situação de vulnerabilidade
social das pessoas autuadas e conduzidas à audiência de custódia não pode ser
critério de seletividade em seu desfavor na consideração sobre a conversão da
prisão em flagrante em prisão preventiva. Especialmente no caso de moradores de
rua, a conveniência para a instrução criminal ou a dificuldade de intimação
para comparecimento a atos processuais não é circunstância apta a justificar a
prisão processual ou medida cautelar, devendo-se garantir, ainda, os
encaminhamentos sociais de forma não obrigatória, sempre que necessários,
preservada a liberdade e a autonomia dos sujeitos.
3. Procedimentos para acompanhamento das medidas cautelares e inclusão
social
As medidas cautelares, quando aplicadas, devem atender a procedimentos
capazes de garantir a sua exequibilidade, considerando:
I. a adequação da medida à capacidade de se garantir o seu
acompanhamento, sem que o ônus de dificuldades na gestão recaia sobre o
autuado;
II. as condições e capacidade de cumprimento pelo autuado;
III. a necessidade de garantia de encaminhamentos às demandas sociais
do autuado, de forma não obrigatória.
Para garantir a efetividade das medidas cautelares diversas da prisão,
cada órgão ou instância deve se ater às suas competências e conhecimentos, de
forma sistêmica e complementar.
Para além da aplicação da medida, é necessário garantir instâncias de
execução das medidas cautelares, com metodologias e equipes qualificadas
capazes de permitir um acompanhamento adequado ao cumprimento das medidas
cautelares diversas da prisão.
Para tanto, caberá ao Ministério da Justiça, em parceria com o Conselho
Nacional de Justiça, desenvolver manuais de gestão, com metodologias,
procedimentos e fluxos de trabalho, além de fomentar técnica e financeiramente
a criação de estruturas de acompanhamento das medidas, conforme previsto nos
Acordos de Cooperação nº 05, nº 06 e nº 07, de 09 de abril de 2015.
Nesse sentido, as Centrais Integradas de Alternativas Penais ou órgãos
equivalentes, bem como as Centrais de Monitoração Eletrônica, serão
estruturados preferencialmente no âmbito do Poder Executivo estadual e contarão
com equipes multidisciplinares regularmente capacitadas para atuarem no
acompanhamento das medidas cautelares.
3.1. A atuação do Juiz deverá considerar os seguintes procedimentos:
I. A partir da apresentação de motivação para a sua decisão nos termos do
art. 310 do CPP, resguardando o princípio da presunção de inocência, caberá ao
juiz conceder a liberdade provisória ou impor, de forma fundamentada, a
aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, somente quando necessárias,
justificando o porquê de sua não aplicação quando se entender pela decretação
de prisão preventiva;
II. Garantir ao autuado o direito à atenção médica e psicossocial
eventualmente necessária(s), resguardada a natureza voluntária desses serviços,
a partir do encaminhamento às Centrais Integradas de Alternativas Penais ou
órgãos similares, evitando a aplicação de medidas cautelares para tratamento ou
internação compulsória de pessoas em conflito com a lei autuadas em flagrante
com transtorno mental, incluída a dependência química, em desconformidade com o
previsto no Art. 4º da Lei 10.216, de 2001 e no Art. 319, inciso VII, do
Decreto-Lei 3.689, de 1941.
III. Articular, em nível local, os procedimentos adequados ao
encaminhamento das pessoas em cumprimento de medidas cautelares diversas da
prisão para as Centrais Integradas de Alternativas Penais ou órgãos similares,
bem como os procedimentos de acolhimento dos cumpridores, acompanhamento das
medidas aplicadas e encaminhamentos para políticas públicas de inclusão social;
i. Nas Comarcas onde não existam as Centrais mencionadas, a partir da equipe
psicossocial da vara responsável pelas audiências de custódia buscar-se-á a
integração do autuado em redes amplas junto aos governos do estado e município,
buscando garantir-lhe a inclusão social de forma não obrigatória, a partir das
especificidades de cada caso.
IV. Articular, em nível local, os procedimentos adequados ao
encaminhamento das pessoas em cumprimento da medida cautelar diversa da prisão
prevista no Art. 319, inciso IX, do Código de Processo Penal, para as Centrais
de Monitoração Eletrônica de Pessoas, bem como os procedimentos de acolhimento
das pessoas monitoradas, acompanhamento das medidas aplicadas e encaminhamentos
para políticas públicas de inclusão social.
V. Garantir o respeito e cumprimento às seguintes diretrizes quando da
aplicação da medida cautelar de monitoração eletrônica:
a) Efetiva alternativa à prisão provisória: A aplicação
da monitoração eletrônica será excepcional, devendo ser utilizada como
alternativa à prisão provisória e não como elemento adicional de controle para
autuados que, pelas circunstâncias apuradas em juízo, já responderiam ao
processo em liberdade. Assim, a monitoração eletrônica, enquanto medida
cautelar diversa da prisão, deverá ser aplicada exclusivamente a pessoas
acusadas por crimes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade máxima
superior a 04 (quatro) anos ou condenadas por outro crime doloso, em sentença
transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do
Código Penal Brasileiro, bem como a pessoas em cumprimento de medidas protetivas
de urgência acusadas por crime que envolva violência doméstica e familiar
contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, sempre de forma excepcional, quando não couber outra medida
cautelar menos gravosa.
b) Necessidade e Adequação: A medida cautelar da
monitoração eletrônica somente poderá ser aplicada quando verificada e
fundamentada a necessidade da vigilância eletrônica da pessoa processada ou
investigada, após demonstrada a inaplicabilidade da concessão da liberdade
provisória, com ou sem fiança, e a insuficiência ou inadequação das demais
medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se, sempre, a presunção de
inocência. Da mesma forma, a monitoração somente deverá ser aplicada quando
verificada a adequação da medida com a situação da pessoa processada ou
investigada, bem como aspectos objetivos, relacionados ao processo-crime,
sobretudo quanto à desproporcionalidade de aplicação da medida de monitoração
eletrônica em casos nos quais não será aplicada pena privativa de liberdade ao
final do processo, caso haja condenação.
c) Provisoriedade: Considerando a gravidade e a amplitude das
restrições que a monitoração eletrônica impõe às pessoas submetidas à medida,
sua aplicação deverá se atentar especialmente à provisoriedade, garantindo a
reavaliação periódica de sua necessidade e adequação. Não são admitidas medidas
de monitoração eletrônica aplicadas por prazo indeterminado ou por prazos
demasiadamente elevados (exemplo: seis meses). O cumprimento regular das condições
impostas judicialmente deve ser considerado como elemento para a revisão da
monitoração eletrônica aplicada, revelando a desnecessidade do controle
excessivo que impõe, que poderá ser substituída por medidas menos gravosas que
favoreçam a autoresponsabilização do autuado no cumprimento das obrigações
estabelecidas, bem como sua efetiva inclusão social.
d) Menor dano: A aplicação e o acompanhamento de medidas de monitoração
eletrônica devem estar orientadas para a minimização de danos físicos e psicológicos
causados às pessoas monitoradas eletronicamente. Deve-se buscar o fomento a
adoção de fluxos, procedimentos, metodologias e tecnologias menos danosas à
pessoa monitorada, minimizando-se a estigmatização e os constrangimentos
causados pela utilização do aparelho.
e) Normalidade: A aplicação e o acompanhamento das medidas
cautelares de monitoração eletrônica deverão buscar reduzir o impacto causado
pelas restrições impostas e pelo uso do dispositivo, limitando-se ao mínimo
necessário para a tutela pretendida pela medida, sob risco de aprofundar os
processos de marginalização e de criminalização das pessoas submetidas às
medidas. Deve-se buscar a aproximação ao máximo da rotina da pessoa monitorada
em relação à rotina das pessoas não submetidas à monitoração eletrônica,
favorecendo assim a inclusão social. Assim, é imprescindível que as áreas de
inclusão e exclusão e demais restrições impostas, como eventuais limitações de
horários, sejam determinadas de forma módica, atentando para as características
individuais das pessoas monitoradas e suas necessidades de realização de
atividades cotidianas das mais diversas dimensões (educação, trabalho, saúde,
cultura, lazer, esporte, religião, convivência familiar e comunitária, entre
outras).
3.2. A atuação das Centrais Integradas de Alternativas Penais ou órgãos
similares deverá considerar os seguintes procedimentos:
I. Buscar integrar-se em redes amplas de atendimento e assistência social
para a inclusão de forma não obrigatória dos autuados a partir das indicações
do juiz, das especificidades de cada caso e das demandas sociais apresentadas
diretamente pelos autuados, com destaque para as seguintes áreas ou outras que
se mostrarem necessárias:
a) demandas emergenciais como alimentação, vestuário, moradia, transporte,
dentre outras;
b) trabalho, renda e qualificação profissional;
c) assistência judiciária;
d) desenvolvimento, produção, formação e difusão cultural principalmente
para o público jovem.
II. Realizar encaminhamentos necessários à Rede de Atenção à Saúde do
Sistema Único de Saúde (SUS) e à rede de assistência social do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), além de outras políticas e programas ofertadas pelo
poder público, sendo os resultados do atendimento e do acompanhamento do
autuado, assim indicados na decisão judicial, comunicados regularmente ao Juízo
ao qual for distribuído o auto de prisão em flagrante após o encerramento da
rotina da audiência de custódia;
III. Consolidar redes adequadas para a internação e tratamento dos
autuados, assegurado o direito à atenção médica e psicossocial sempre que
necessária, resguardada a natureza voluntária desses serviços, não sendo
cabível o encaminhamento de pessoas em conflito com a lei autuadas em flagrante
portadoras de transtorno mental, incluída a dependência química, para
tratamento ou internação compulsória, em desconformidade com o previsto no Art.
4º da Lei 10.216, de 2001 e no Art. 319, inciso VII, do Decreto-Lei 3.689, de
1941.
IV. Executar ou construir parcerias com outras instituições especialistas
para a execução de grupos temáticos ou de responsabilização dos autuados a
partir do tipo de delito cometido, inclusive nos casos relativos à violência
contra as mulheres no contexto da Lei Maria da Penha
i. Estes grupos serão executados somente a partir da determinação
judicial e como modalidade da medida cautelar de comparecimento obrigatório em
juízo, prevista no inciso I do Art. 319 do Código de Processo Penal.
3.3. A atuação das Centrais de Monitoração Eletrônica de Pessoas deverá
considerar os seguintes procedimentos:
I. Assegurar o acolhimento e acompanhamento por equipes
multidisciplinares, responsáveis pela articulação da rede de serviços de
proteção e inclusão social disponibilizada pelo poder público e pelo
acompanhamento do cumprimento das medidas estabelecidas judicialmente, a partir
da interação individualizada com as pessoas monitoradas.
II. Assegurar a prioridade ao cumprimento, manutenção e restauração da
medida em liberdade, inclusive em casos de incidentes de violação, adotando-se
preferencialmente medidas de conscientização e atendimento por equipe
psicossocial, devendo o acionamento da autoridade judicial ser subsidiário e
excepcional, após esgotadas todas as medidas adotadas pela equipe técnica
responsável pelo acompanhamento das pessoas em monitoração.
III. Primar pela adoção de padrões adequados de segurança, sigilo,
proteção e uso dos dados das pessoas em monitoração, respeitado o tratamento
dos dados em conformidade com a finalidade das coletas. Nesse sentido, deve-se
considerar que os dados coletados durante a execução das medidas de monitoração
eletrônica possuem finalidade específica, relacionada com o acompanhamento das
condições estabelecidas judicialmente. As informações das pessoas monitoradas
não poderão ser compartilhadas com terceiros estranhos ao processo de
investigação ou de instrução criminal que justificou a aplicação da medida. O
acesso aos dados, inclusive por instituições de segurança pública, somente
poderá ser requisitado no âmbito de inquérito policial específico no qual a
pessoa monitorada devidamente identificada já figure como suspeita, sendo
submetido a autoridade judicial, que analisará o caso concreto e deferirá ou
não o pedido.
IV. Buscar integra-se em redes amplas de atendimento e assistência
social para a inclusão de forma não obrigatória dos autuados a partir das
indicações do juiz, das especificidades de cada caso e das demandas sociais
apresentadas diretamente pelos autuados, com destaque para as seguintes áreas
ou outras que se mostrarem necessárias:
a) demandas emergenciais como alimentação, vestuário, moradia,
transporte, dentre outras;
b) trabalho, renda e qualificação profissional;
c) assistência judiciária;
d) desenvolvimento, produção, formação e difusão cultural principalmente
para o público jovem.
V. Realizar encaminhamentos necessários à Rede de Atenção à Saúde do
Sistema Único de Saúde (SUS) e à rede de assistência social do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), além de outras políticas e programas ofertadas pelo
poder público, sendo os resultados do atendimento e do acompanhamento do
autuado, assim indicados na decisão judicial, comunicados regularmente ao Juízo
ao qual for distribuído o auto de prisão em flagrante após o encerramento da
rotina da audiência de custódia.
PROTOCOLO II
Procedimentos para oitiva, registro e encaminhamento de denúncias
de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes [1]
Este documento tem por objetivo orientar tribunais e magistrados sobre
procedimentos para denúncias de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes.
Serão apresentados o conceito de tortura, as orientações quanto a
condições adequadas para a oitiva do custodiado na audiência, os procedimentos
relativos à apuração de indícios da práticas de tortura durante a oitiva da
pessoa custodiada e as providências a serem adotadas em caso de identificação
de práticas de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
1. DEFINIÇÃO DE TORTURA
Considerando a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, de 1984; a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 9 de dezembro de 1985, e a
Lei 9.455/97 de 7 de abril de 1997, que define os crimes de tortura e dá outras
providências, observa-se que a definição de tortura na legislação internacional
e nacional apresenta dois elementos essenciais:
I. A finalidade do ato, voltada para a obtenção de informações ou confissões,
aplicação de castigo, intimidação ou coação, ou qualquer outro motivo baseado
em discriminação de qualquer natureza; e
II. A aflição deliberada de dor ou sofrimentos físicos e mentais.
Assim, recomenda-se à autoridade judicial atenção às condições de
apresentação da pessoa mantida sob custódia a fim de averiguar a prática de
tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante considerando duas
premissas:
I. a prática da tortura constitui grave violação ao direito da pessoa
custodiada;
II. a pessoa custodiada deve ser informada que a tortura é ilegal e
injustificada, independentemente da acusação ou da condição de culpada de algum
delito a si imputável.
Poderão ser consideradas como indícios quanto à ocorrência de práticas
de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes:
I. Quando a pessoa custodiada tiver sido mantida em um local de detenção
não oficial ou secreto;
II. Quando a pessoa custodiada tiver sido mantida incomunicável por
qualquer período de tempo;
III. Quando a pessoa custodiada tiver sido mantida em veículos oficiais
ou de escolta policial por um período maior do que o necessário para o seu
transporte direto entre instituições;
IV. Quando os devidos registros de custódia não tiverem sido mantidos
corretamente ou quando existirem discrepâncias significativas entre esses
registros;
V. Quando a pessoa custodiada não tiver sido informada corretamente sobre
seus direitos no momento da detenção;
VI. Quando houver informações de que o agente público ofereceu
benefícios mediante favores ou pagamento de dinheiro por parte da pessoa
custodiada;
VII. Quando tiver sido negado à pessoa custodiada pronto acesso a um
advogado ou defensor público;
VIII. Quando tiver sido negado acesso consular a uma pessoa custodiada
de nacionalidade estrangeira;
IX. Quando a pessoa custodiada não tiver passado por exame médico
imediato após a detenção ou quando o exame constatar agressão ou lesão;
X. Quando os registros médicos não tiverem sido devidamente guardados ou
tenha havido interferência inadequada ou falsificação;
XI. Quando o(s) depoimento(s) tiverem sido tomados por autoridades de
investigação sem a presença de um advogado ou de um defensor público;
XII. Quando as circunstâncias nas quais os depoimentos foram tomados
não tiverem sido devidamente registradas e os depoimentos em si não tiverem
sido transcritos em sua totalidade na ocasião;
XIII. Quando os depoimentos tiverem sido indevidamente alterados posteriormente;
XIV. Quando a pessoa custodiada tiver sido vendada, encapuzada,
amordaçada, algemada sem justificativa registrada por escrito ou sujeita a
outro tipo de coibição física, ou tiver sido privada de suas próprias roupas,
sem causa razoável, em qualquer momento durante a detenção;
XV. Quando inspeções ou visitas independentes ao local de detenção por
parte de instituições competentes, organizações de direitos humanos, programas
de visitas pré-estabelecidos ou especialistas tiverem sido impedidas, postergadas
ou sofrido qualquer interferência;
XVI. Quando a pessoa tiver sido apresentada à autoridade judicial fora
do prazo máximo estipulado para a realização da audiência de custódia ou sequer
tiver sido apresentada;
XVII. Quando outros relatos de tortura e tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes em circunstâncias similares ou pelos mesmos agentes indicarem a
verossimilhança das alegações.
2. CONDIÇÕES ADEQUADAS PARA A OITIVA DO CUSTODIADO NA AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA
A audiência de custódia deve ocorrer em condições adequadas que tornem
possível o depoimento por parte da pessoa custodiada, livre de ameaças ou
intimidações em potencial que possam inibir o relato de práticas de tortura e
outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes a que tenha sido submetida.
Entre as condições necessárias para a oitiva adequada da pessoa
custodiada, recomenda-se que:
I. A pessoa custodiada não deve estar algemada durante sua oitiva na
audiência de apresentação, somente admitindo-se o uso de algumas "em casos
de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física
própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e
penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ator processual
a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado" (STF -
Súmula Vinculante nº 11);
II. A pessoa custodiada deve estar sempre acompanhada de advogado ou
defensor público, assegurando-lhes entrevista prévia sigilosa, sem a presença
de agente policial e em local adequado/reservado, de modo a garantir-lhe a
efetiva assistência judiciária;
III. A pessoa custodiada estrangeira deve ter assegurada a assistência
de intérprete e a pessoa surda a assistência de intérprete de LIBRAS, requisito
essencial para a plena compreensão dos questionamentos e para a coleta do
depoimento, atentando-se para a necessidade de (i) a pessoa custodiada estar de
acordo com o uso de intérprete, (ii) o intérprete ser informado da confidencialidade
das informações e (iii) o entrevistador manter contato com o entrevistado,
evitando se dirigir exclusivamente ao intérprete;
IV. Os agentes responsáveis pela segurança do tribunal e, quando
necessário, pela audiência de custódia devem ser organizacionalmente separados
e independentes dos agentes responsáveis pela prisão ou pela investigação dos
crimes. A pessoa custodiada deve aguardar a audiência em local fisicamente
separado dos agentes responsáveis pela sua prisão ou investigação do crime;
V. O agente responsável pela custódia, prisão ou investigação do crime
não deve estar presente durante a oitiva da pessoa custodiada.
VI. Os agentes responsáveis pela segurança da audiência da custódia
não devem portar armamento letal.
VII. Os agentes responsáveis pela segurança da audiência de custódia
não devem participar ou emitir opinião sobre a pessoa custodiada no decorrer da
audiência.
3. PROCEDIMENTOS RELATIVOS À COLETA DE INFORMAÇÕES SOBRE PRÁTICAS
TORTURA DURANTE A OITIVA DA PESSOA CUSTODIADA
Observadas as condições adequadas para a apuração, durante a oitiva da
pessoa custodiada, de práticas de tortura e outros tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes a que possa ter sido submetida, é importante que o
Juiz adote uma série de procedimentos visando assegurar a coleta idônea do
depoimento da pessoa custodiada.
Sendo um dos objetivos da audiência de custódia a coleta de informações
sobre práticas de tortura, o Juiz deverá sempre questionar sobre ocorrência de
agressão, abuso, ameaça, entre outras formas de violência, adotando os
seguintes procedimentos:
I. Informar à pessoa custodiada que a tortura é expressamente proibida,
não sendo comportamento aceitável, de modo que as denúncias de tortura serão
encaminhadas às autoridades competentes para a investigação;
II. Informar à pessoa custodiada sobre a finalidade da oitiva,
destacando eventuais riscos de prestar as informações e as medidas protetivas
que poderão ser adotadas para garantia de sua segurança e de terceiros, bem
como as providências a serem adotadas quanto à investigação das práticas de
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes que forem
relatadas;
III. Assegurar a indicação de testemunhas ou outras fontes de
informação que possam corroborar a veracidade do relato de tortura ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes, com garantia de sigilo;
IV. Solicitar suporte de equipe psicossocial em casos de grave
expressão de sofrimento, físico ou mental, ou dificuldades de orientação mental
(memória, noção de espaço e tempo, linguagem, compreensão e expressão, fluxo do
raciocínio) para acolher o indivíduo e orientar quanto a melhor abordagem ou
encaminhamento imediato do caso.
V. Questionar a pessoa custodiada sobre o tratamento recebido desde a sua
prisão, em todos os locais e órgãos por onde foi conduzido, mantendo-se atento
a relatos e sinais que indiquem ocorrência de práticas de tortura e outros
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
4. PROCEDIMENTOS PARA COLETA DO DEPOIMENTO DA VÍTIMA DE TORTURA
A oitiva realizada durante a audiência de custódia não tem o objetivo de
comprovar a ocorrência de práticas de tortura, o que deverá ser apurado em
procedimentos específicos com essa finalidade.
Sua finalidade é perceber e materializar indícios quanto à ocorrência de
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, considerando as
graves consequências que podem decorrer da manutenção da custódia do preso sob
responsabilidade de agentes supostamente responsáveis por práticas de tortura,
sobretudo após o relato das práticas realizado pela pessoa custodiada perante a
autoridade judicial.
Na coleta do depoimento, o Juiz deve considerar a situação particular de
vulnerabilidade da pessoa submetida a práticas de tortura ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes, adotando as seguintes práticas na oitiva,
sempre que necessário:
I. Repetir as perguntas. Questões terão que ser repetidas ou
reformuladas uma vez que algumas pessoas podem demorar mais tempo para
absorver, compreender e recordar informações.
II. Manter as perguntas simples. As perguntas devem ser simples,
pois algumas pessoas podem ter dificuldade em entender e respondê-las. Elas
também podem ter um vocabulário limitado e encontrar dificuldade em explicar
coisas de uma forma que os outros achem fácil de seguir.
III. Manter as perguntas abertas e não ameaçadoras. As perguntas não
devem ser ameaçadoras uma vez que as pessoas podem responder a uma inquirição
áspera de forma excessivamente agressiva ou tentando agradar o interrogador. As
questões também devem ser abertas já que algumas pessoas são propensas a
repetir as informações fornecidas ou sugeridas pelo entrevistador.
IV. Priorizar a escuta. É comum a imprecisão ou mesmo
confusão mental no relato de casos de tortura, assim, eventuais incoerências
não indicam invalidade dos relatos. Em casos de difícil entendimento do relato,
orienta-se que a pergunta seja refeita de forma diferente. É importante
respeitar a decisão das vítimas de não querer comentar as violações sofridas.
V. Adotar uma postura respeitosa ao gênero da pessoa custodiada. Mulheres e
pessoas LGBT podem se sentir especialmente desencorajadas a prestar informações
sobre violências sofridas, sobretudo assédios e violência sexual, na presença
de homens. Homens também podem sentir constrangimento ao relatar abusos de
natureza sexual que tenham sofrido. A adequação da linguagem e do tom do
entrevistador, bem como a presença de mulheres, podem ser necessários nesse
contexto.
VI. Respeitar os limites da vítima de tortura, já que a pessoa
pode não se sentir a vontade para comentar as violações sofridas por ela,
assegurando, inclusive, o tempo necessário para os relatos.
5. QUESTIONÁRIO PARA AUXILIAR NA IDENTIFICAÇÃO E REGISTRO DA TORTURA
DURANTE OITIVA DA VÍTIMA
Um breve questionário pode subsidiar a autoridade judicial quanto à
identificação da prática de tortura, na ocasião das audiências de custódia,
permitindo-lhe desencadear, caso identificada, os procedimentos de investigação
do suposto crime de tortura.
I. Qual foi o tratamento recebido desde a sua detenção?
Comentário: Pretende-se com esta questão que o custodiado relate o
histórico, desde a abordagem policial até o momento da audiência, da relação
ocorrida entre ele e os agentes públicos encarregados de sua custódia.
II. O que aconteceu?
Comentário: Havendo o custodiado relatado a prática de ato violento por
parte de agente público responsável pela abordagem e custódia, é necessário que
seja pormenorizado o relato sobre a conduta dos agentes, para identificação de
suposta desmedida do uso da força, ou violência que se possa configurar como a
prática de tortura.
III. Onde aconteceu?
Comentário: O relato sobre o local onde ocorreu a violência relatada
pode ajudar a monitorar a possibilidade de retaliação por parte do agente que
praticou a violência relatada, e pode fornecer à autoridade judicial
informações sobre a frequência de atos com pessoas custodiadas em delegacias,
batalhões, entre outros.
IV. Qual a data e hora aproximada da ocorrência da atitude violenta
por parte do agente público, incluindo a mais recente?
Comentário: A informação sobre horário e data é importante para identificar
possíveis contradições entre informações constantes no boletim de ocorrência,
autorizando alcançar informações úteis sobre as reais circunstâncias da prisão
do custodiado.
V. Qual o conteúdo de quaisquer conversas mantidas com a pessoa
(torturadora)? O que lhe foi dito ou perguntado?
Comentário: Esta pergunta visa identificar qualquer ameaça realizada
pelo agente público, assim como métodos ilegais para se obter a delação de
outrem. Todas as formas ilegais de extrair informação do preso são necessariamente
possibilitadas pela prática da tortura.
VI. Houve a comunicação do ocorrido para mais alguém? Quem? O que foi
dito em resposta a esse relato?
Comentário: Esta pergunta visa averiguar possíveis pessoas que possam
ter sofrido ameaças de agentes públicos, autorizando, caso a autoridade
judicial assim decida, a indicação de pessoas ameaçadas para participação em
programas de proteção de vítimas.
6. PROVIDÊNCIAS EM CASO DE APURAÇÃO DE INDÍCIOS DE TORTURA E OUTROS
TRATAMENTOS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES
Constada a existência de indícios de tortura e outros tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes, o Juiz deverá adotar as providências cabíveis
para garantia da segurança da pessoa custodiada, tomando as medidas necessárias
para que ela não seja exposta aos agentes supostamente responsáveis pelas
práticas de tortura.
Abaixo estão listadas possíveis medidas a serem adotadas pela autoridade
judicial que se deparar com a situação, conforme as circunstâncias e
particularidades de cada caso, sem prejuízo de outras que o Juiz reputar
necessárias para a imediata interrupção das práticas de tortura ou tratamentos
cruéis, desumanos ou degradantes, para a garantia da saúde e segurança da
pessoa custodiada e para subsidiar futura apuração de responsabilidade dos
agentes:
I. Registrar o depoimento detalhado da pessoa custodiada em relação às
práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes a que
alega ter sido submetida, com descrição minuciosa da situação e dos envolvidos;
II. Questionar se as práticas foram relatadas quando da lavratura do
auto de prisão em flagrante, verificando se houve o devido registro documental;
III. Realizar registro fotográfico e/ou audiovisual sempre que a pessoa
custodiada apresentar relatos ou sinais de tortura ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes, considerando se tratar de prova, muitas vezes,
irrepetível;
IV. Aplicar, de ofício, medidas protetivas para a garantia da
segurança e integridade da pessoa custodiada, de seus familiares e de eventuais
testemunhas, entre elas a transferência imediata da custódia, com substituição
de sua responsabilidade para outro órgão ou para outros agentes; a imposição de
liberdade provisória, independente da existência dos requisitos que autorizem a
conversão em prisão preventiva, sempre que não for possível garantir a
segurança e a integridade da pessoa custodiada; e outras medidas necessárias à
garantia da segurança e integridade da pessoa custodiada.
V. Determinar a realização de exame corpo de delito:
(i)quando não houver sido realizado;
(ii)quando os registros se mostrarem insuficientes,
(iii)quando a possível prática de tortura e outros tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes tiver sido realizada em momento posterior à realização
do exame realizado;
(iv)quando o exame tiver sido realizado na presença de agente de
segurança.
VI. Ainda sobre o exame de corpo de delito, observar: a) as
medidas protetivas aplicadas durante a condução da pessoa custodiada para a
garantia de sua segurança e integridade, b) a Recomendação nº 49/2014 do
Conselho Nacional de Justiça quanto à formulação de quesitos ao perito em casos
de identificação de práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos
ou degradantes, c) a presença de advogado ou defensor público durante a
realização do exame.
VII. Assegurar o necessário e imediato atendimento de saúde integral da
pessoa vítima de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,
visando reduzir os danos e o sofrimento físico e mental e a possibilidade de
elaborar e resignificar a experiência vivida;
VIII. Enviar cópia do depoimento e demais documentos pertinentes para
órgãos responsáveis pela apuração de responsabilidades, especialmente
Ministério Público e Corregedoria e/ou Ouvidoria do órgão a que o agente
responsável pela prática de tortura ou tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes esteja vinculado;
IX. Notificar o juiz de conhecimento do processo penal sobre os
encaminhamentos dados pela autoridade judicial e as informações advindas desse
procedimento.
X. Recomendar ao Ministério Público a inclusão da pessoa em programas
de proteção a vítimas ou testemunha, bem como familiares ou testemunhas, quando
aplicável o encaminhamento.
[1] Na elaboração
do protocolo foram consideradas orientações presentes em manuais e guias sobre
prevenção e combate à tortura, especialmente o "Protocolo de Istambul -
Manual para a investigação e documentação eficazes da tortura e outras penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, "The torture reporting
handbook" (1ª edição de Camille Giffard - 2000, e 2ª edição de Polona
Tepina - 2015), e "Protegendo os brasileiros conta a tortura: Um Manual
para Juízes, Promotores, Defensores Públicos e Advogados" (Conor Foley,
2013), além da experiência acumulada com as práticas de audiências de custódia
e do desenvolvimento de ações de prevenção à tortura no país.
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