PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 111.081 RIO GRANDE DO SUL
RELATOR :MIN. LUIZ FUX
PACTE.(S) :MARCELO CHAVES DA SILVA
IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal cuja ementa possui o seguinte teor:
“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO. ANTERIOR PRISÃO CAUTELAR EM PROCESSOS DISTINTOS. IMPOSSIBILIDADE.
1. À luz do disposto no arts. 42 do Código Penal e 111 da Lei de Execução Penal, somente se admite a detração de prisão processual ordenada em outro processo em que absolvido o sentenciado ou declarada tenha sido a extinção da sua punibilidade, quando a data do cometimento do crime de que trata a execução seja anterior ao período pleiteada (Precedentes: HC nº 155.049/RS, SEXTA TURMA, DJe de 21/03/2011; HC nº 152.366/RS, QUINTA TURMA, DJe de 21/06/2010).
2. Na hipótese dos autos, o fato ilícito que ensejou a condenação do paciente se deu em 30.09.2009, depois, portanto, de sua segregação cautelar ocorrida nos períodos de
02.02.2006 a 15.02.2006 e 18.03.2008 a 28.04.2008, pela suposta prática de delitos distintos, não se revelando, assim, merecedora de guarida sua pretensão de detração penal.
3. Ordem denegada.”
HC 111.081 / RS
Colhe-se da inicial que “O Juízo da Vara de Execução Criminal Regional de Novo Hamburgo (PEC 58365008) indeferiu o pedido de detração referente aos períodos de 02/02/2006 a 15/02.2006 e 18/03/2008 a 28/04/2008, tempos estes que o paciente esteve preso provisoriamente por outros processos”.
Seguiu-se agravo em execução ao qual o Tribunal de Justiça negou provimento, mantendo a decisão a qua.
Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça sustentando, em síntese, que “O nosso ordenamento jurídico não traz nenhuma vedação legal para que seja deferida a detração da pena por delito cometido posteriormente à segregação cautelar”, porquanto “nos casos onde houve a prisão processual de forma injusta, com a posterior absolvição da acusação que a embasava, surge uma dívida por parte do Estado para com o apenado, pois inexiste a possibilidade de ‘recuperar’ o tempo em que foi injustamente privado de sua liberdade”.
Reproduzindo as razões refutadas pelo Tribunal a quo, a impetrante requer a concessão da ordem “para reformar o acórdão recorrido, que negou a detração da pena ao paciente, referente à prisão processual anterior ao cometimento dos delitos dos quais hoje cumpre pena”.
A PGR opina no sentido da denegação da ordem.
É o relatório.
28/02/2012 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 111.081 RIO GRANDE DO SUL
V O T O
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 33 DA LEI N. 11.343/06). DETRAÇÃO NA PENA RELATIVA A CRIME POSTERIOR DE PERÍODO DE PRISÃO PROVISÓRIA POR CRIME ANTERIOR, DO QUAL RESULTOU ABSOLVIÇÃO: INTERPRETAÇÃO DO ART. 42 DO CÓDIGO PENAL.
2. O ARTIGO 42 DO CÓDIGO PENAL DETERMINAVA, EM SEU PARÁGRAFO ÚNICO, O DESCONTO DO TEMPO DE PRISÃO PROVISÓRIA INDEVIDAMENTE CUMPRIDO, RELATIVO À CONDENAÇÃO POR CRIME POSTERIOR, INVALIDADA EM DECISÃO JUDICIAL RECORRÍVEL.
5. O ARTIGO 42 DO CÓDIGO PENAL, NO SEU PARÁGRAFO ÚNICO, VEICULAVA NORMA
CONDIZENTE COM A REALIDADE DA ÉPOCA, MAS INIMAGINÁVEL NOS DIAS ATUAIS, PORQUANTO É, DATA VENIA, SURREALISTA ADMITIR A POSSIBILIDADE DE O RÉU CREDITARSE DE TEMPO DE PRISÃO PROVISÓRIA PARA ABATER NA PENA RELATIVA A CRIME QUE EVENTUALMENTE VENHA A COMETER.
8. ORDEM DENEGADA.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): A detração da pena está prevista no artigo 42 do Código Penal1. Segundo Heleno Cláudio Fragoso, “Entende-se por detração penal o abatimento na pena a ser cumprida do tempo de prisão já cumprido pelo condenado”. E prossegue o eminente penalista: “... a jurisprudência se orienta no sentido de admitir a detração sempre que se trate de outro crime anteriormente cometido”2.
Anotando que em outros países exige-se a identidade entre o fato delituoso em que incide a condenação e aquele que motivou a custódia processual (conexão material), à exceção da legislação alemã, que exige apenas a conexão formal para que se aplique a detração penal, José Frederico Marques observou que o Código Penal pátrio foi omisso a respeito do assunto e consignou que a legislação germânica é “mais convinhável e acertada”, justificando e ilustrando a assertiva com o seguinte exemplo3:
“Desde que os fatos puníveis foram objeto de um só processo, ou porque conexos, ou por força da continência de causa, a detração deve operar-se, mesmo que o réu tenha sido absolvido pelo crime a ele atribuído e em que ocorreu a prisão cautelar. Suponha-se que um indivíduo tenha atirado em outro, praticando assim crime de homicídio. O juiz decreta sua prisão preventiva, de acordo com a regra no artigo 312, do Código de Processo Penal. Logo após o crime, aquele
(1 CP, art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.
2 Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, ed., rev. por Fernandes Fragoso. -
Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 303.
3 Tratado de Direito Penal, volume III, 1ª edição atualizada, Milennium Editora,
Campinas – SP, ps. 186/187).
homicida desfere violento soco em uma terceira pessoa que pretendia detê-lo, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. Se o Tribunal do Júri reconhecer que o réu praticou o homicídio por erro de proibição (legítima defesa putativa) e o condenar pelo crime de ferimentos levos (ambos foram processados e julgados em simultaneos processus), na pena imposta, quanto a este, deve ser computado o tempo de prisão cautelar decorrente do delito de homicídio.”
Luiz Regis Prado (4) observa que o artigo 42 do Código Penal possuía parágrafo único dispondo: “computa-se, igualmente, o tempo indevidamente cumprido, relativo à condenação por crime posterior, invalidado em decisão judicial irrecorrível”, e conclui que “em se admitindo a detração nesse caso, estaria se estabelecendo uma espécie de ‘conta corrente’, em favor do réu, que, com um ‘crédito’ contra o Estado, a ser usado para a impunidade de posteriores infrações penais” [grifei]. Com a supressão do parágrafo único do artigo 42, instalou-se, segundo o citado autor “uma tendência que admite a detração por prisão em outro processo (em que houve absolvição ou extinção da punibilidade), desde que a prática do delito em virtude do qual o condenado cumprirá pena tenha sido anterior à sua prisão”. Destarte, o suprimido parágrafo único do artigo 42 do Código Penal veiculava norma condizente com a realidade da época, mas inimaginável
nos dias atuais, porquanto é, data venia, surrealista a possibilidade de o réu creditar-se de tempo de prisão provisória para abater na pena relativa
a crime que eventualmente venha a cometer.
Esta Primeira Turma, ao julgar o HC n. 93.979, Rel. Min. Carmen Lúcia, j. em 22/04/2008, sem adentrar a questão envolvendo a conexão material ou formal, fixou o entendimento de que não cabe descontar na pena imposta pela prática de crime posterior o tempo de prisão provisória pelo cometimento de crime anterior e do qual resultou absolvição, sob pena de creditar-se um bônus para que o réu desconte na pena resultante de condenação futura, consoante se vê da ementa do
julgado:
4 Luiz Regis Prado, Comentários ao Código Penal, 4ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, p. 203.
“HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO PENAL. CÔMPUTO DO PERÍODO DE PRISÃO ANTERIOR À PRÁTICA DE NOVO CRIME: IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.
1. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que ‘não é possível creditar-se ao réu qualquer tempo de encarceramento anterior à prática do crime que deu origem a condenação atual’ (RHC 61.195, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ 23.9.1983).
2. Não pode o Paciente valer-se do período em que esteve custodiado – e posteriormente absolvido – para fins de detração da pena de crime cometido em período posterior. 3. Habeas Corpus indeferido.”
Rememoro o debate instaurado no referido julgamento: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Aquele que delinque não fica com crédito para ver compensado, em termos de custódia, considerada nova prática criminosa. Evidentemente, a detração pressupõe período de custódia após o cometimento do crime e ligado a este. Claro, não confundo essa visão com a problemática alusiva ao tempo máximo em que o cidadão pode ficar preso.
Não. Pretende-se a detração, levando-se em conta a pena ligada a crime anterior. Evidentemente, não há o direito, a não ser que se parta para o denominado ‘Direito Alternativo’.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA) – A pena como curiosidade, interessou-me o assunto; anotei a jurisprudência de aproximadamente onze tribunais: todos seguem o Supremo Tribunal, menos o Tribunal do Rio Grande do Sul.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Custo até a perceber que se tenha feito tamanha confusão entre o instituto da detração e o instituto da permanência máxima da cadeia. Pode ser perquirido o período máximo, levando em conta o tempo alusivo a crime anterior praticado pelo condenado no processo subseqüente, observado o § 2º do artigo 75 do Código Penal.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO.- Só para poder entender, porque a questão é até interessante. Quer dizer, então vamos admitir que uma pessoa mate outra e seja condenada a trinta anos de cadeia. Quer dizer, se matar uma outra e já tiver trinta anos, ele não vai mais ser condenado?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Ministro, não foi isso que disse. Por gentileza, perceba o alcance do meu voto. Não junto períodos distintos, intercalados pelo espaço de tempo em que a pessoa esteve em liberdade. Assento que, de forma contínua, não se pode ficar sob a custódia do Estado por mais de trinta anos. De forma intercalada, pode-se, desde que tenha idade para cumprir a pena e continue vivo.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA) – A tese, no caso, é de que os artigos 42 do Código Penal e 111 da Lei de Execuções Penais não vedariam a possibilidade de detração em processos distintos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – Não cabe detração. É algo diverso. A detração seria uma compensação. Quer dizer, alguém, após haver cumprido pena, ficaria com um crédito a ser considerado,
posteriormente, no caso de um outro crime. O passo mostra-se demasiadamente largo.
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA) – Compensação é a palavra certa. Imagine que alguém, depois de haver cumprido um período de pena, seja absolvido e tenha ficado preso um ou dois meses preventivamente. Ele teria, então, um crédito com o Estado? Quer dizer, já sabe que pode delinquir, porque, por dois meses, não ficará preso?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (PRESIDENTE) – E, absolvido, pode ingressar contra o Estado, visando a indenização.
A SENHOR MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA) – Encontrei apenas uma menção no Direito norte-americano, no qual não se pode ser condenado pelo mesmo fato duas vezes.
Então, se uma pessoa for condenada por matar alguém, e depois descobre que não foi ela, se viesse a matar efetivamente, ela não seria mais julgada. Quer dizer, é um sistema completamente diferente”.
O tema ora ventilado é idêntico ao analisado no julgamento acima referido, no sentido de que não cabe descontar na pena do crime posterior o tempo de prisão cautelar resultante da prática de crime anterior pelo qual o réu restou absolvido.In casu, o paciente cumpre pena de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado, por crime de tráfico de drogas praticado em 30/09/09, e requereu a detração dos períodos de 02/02/06 a 15/02/06 e 18/03/08 a 28/04/08, relativos à prisão provisória cumprida em outro
processo.
Ex positis, denego a ordem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário