Com 38 réus, 50 mil páginas de processo e 600 testemunhas, ação penal sobre o maior escândalo do governo Lula começa a ser julgada no próximo dia 2 e deve afetar a eleição
Daqui a menos de duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) começará a julgar os 38 réus da ação penal 470, o chamado mensalão, o maior escândalo de corrupção do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas palavras do próprio presidente do STF, Ayres Britto, um julgamento do ponto de vista técnico igual a qualquer outro, mas do ponto de vista político e da sua extensão, algo insólito, inédito e desgastante.
O julgamento começa no dia 2 de agosto com a leitura de um relatório resumido pelo ministro-relator, Joaquim Barbosa, e depois com a sustentação oral, de cinco horas, da Procuradoria Geral da República (PGR), responsável pela acusação.
A partir daí, o Supremo vai encarar uma maratona de embates jurídicos nunca vistos na história da Corte. Serão 38 horas para contra-argumentos dos advogados. Após a apresentação das defesas, Barbosa apresentará o seu voto. Somente essa fase deve consumir três sessões inteiras (em torno de 15 horas) do STF. Em seguida, serão necessárias outras prováveis 15 horas para a leitura do voto do ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, e um sem número de sessões dedicadas aos votos dos outros ministros e debates entre eles.
Mesmo com um esforço concentrado no início de agosto, com sessões diárias, acredita-se o julgamento do mensalão terminará apenas em meados de setembro. Apenas como efeito comparativo, a análise do caso Collor – que foi julgado e inocentado em 1994 pelo crime de corrupção passiva no chamado ‘Esquema PC’ – é considerado tão emblemático quanto o mensalão. Também neste caso foi necessário um esforço concentrado, mas teve duração de quatro sessões do Supremo: cerca de 50 horas de julgamento.
Ainda há dúvidas sobre a participação de dois ministros do STF: Cézar Peluso e Dias Toffoli. O primeiro se aposenta compulsoriamente em setembro, quando completa 70 anos, mas pode antecipar o seu voto antes da saída. O segundo é apontado como impedido por suas ligações com o PT. Antes de assumir uma vaga no Supremo, Toffoli era advogado do partido e assumiu o cargo de advogado-geral da União no governo Lula. A Procuradoria da República ainda estuda a possibilidade de pedir o desligamento dele do julgamento. Toffoli disse que vai decidir sobre isso apenas na próxima semana.
Questões polêmicas no julgamento
A expectativa é que o julgamento ocorra em bloco, com a análise da participação de cada um dos réus dentro dos núcleos apontados pela Procuradoria Geral: núcleos central, publicitário e político partidário. No entanto, os advogados dos réus querem que essa análise ocorra individualmente, o que na prática dificultaria o trabalho da Procuradoria em demonstrar a participação de cada um no esquema mensalão.
O julgamento do mensalão não somente será o caso mais desgastante de toda a história do Supremo, como também será importante do ponto de vista jurídico. A expectativa é que os ministros consigam dirimir algumas dívidas sobre a configuração de crimes, como lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
Sobre o crime de lavagem de dinheiro, o entendimento recente de cinco ministros aponta que somente existe um ato ilícito se houver desvio de finalidade de recurso que vem de origem ilícita, não de forma lícita. O julgamento do mensalão vai confirmar se a partir de agora essa tese será utilizada em outros casos ou não.
Sobre corrupção passiva, ainda existe uma dúvida sobre a necessidade da existência de um “ato de ofício” para a comprovação desse tipo de crime. Até o momento, entende-se que, por mais que um agente público receba vantagem indevida, somente se configura crime de corrupção passiva se o funcionário adotar alguma providência que beneficie quem lhe pagou essa vantagem. Mas, dependendo do resultado do julgamento do mensalão, pode-se entender que, a partir de agora, o crime de corrupção passiva se configure apenas pelo recebimento de uma vantagem indevida.
Uma outra questão polêmica que deve recair sobre o ministros logo no início da análise do mensalão diz respeito à competência do STF para julgamento de pessoas sem foro privilegiado, apesar de uma eventual ligação com políticos ou secretários de Estado. Essa questão deve ser levantada pela defesa do ex-presidente do PT, José Genoino, no início do julgamento e tem sido questionado por outros réus.
Os advogados também vão tentar demonstrar aos ministros que houve tentativas de cerceamento do direito de defesa de pelo menos dez réus, o que inviabilizaria a produção das provas. Uma tese que, segundo especialistas, provavelmente deve cair por terra porque somente a fase de oitivas durou aproximadamente três anos.
Estratégia da defesa
Tecnicamente, o desafio dos advogados de defesa dos réus é mostrar que não houve um esquema de corrupção tal qual narrado pela Procuradoria Geral. A defesa de Roberto Jefferson, por exemplo, afirma que se houve um esquema de compra de apoio político para aprovação de projetos de interesse do Executivo, esse esquema deveria ter a anuência do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula, no entanto, sequer foi citado nos autos. Outros réus, como o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, afirmou em suas alegações finais que não se pode falar em compra de apoio de poder político porque todos os projetos citados na acusação do procurador-geral somente foram aprovados com a ajuda do PSDB, partido não integrante da base aliada.
Por tantos motivos, teses e contra argumentações, o julgamento do mensalão ganha uma importância ímpar. Além disso, a análise da ação penal vai acontecer justamente durante a propaganda eleitoral gratuita. Politicamente, será um processo que pode trazer prejuízos incalculáveis a todos os partidos citados na denúncia, como o PMDB, o PTB e principalmente o PT.
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